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terça-feira, 27 de abril de 2010

400 cinemas e nós

RELATO SESSÃO 5 | JEQUIÁ DA PRAIA
Litoral Sul/AL
. 12/03, 19h – centro – sexta-feira
Público: 420 pessoas

O CINEMA É UM BALÃO ACESO NO PLURAL. Saímos cedo de Maceió na sexta-feira. Viajamos para o litoral sul com a equipe completa no microônibus e dessa vez com Beto e Peixe como assistentes e a presença inédita de Amanda. Seguimos ouvindo as histórias mirabolantes de Hermano, o homem que viveu duzentos anos em cinqüenta, e relembrando a engenhosidade e sutilezas de filmes como Conduzindo Miss Daisy.

As energias e belezas do litoral norte e sul de Alagoas são bem diferentes. Enquanto o primeiro tem uma beleza interiorana bucólica mais alcançável no horizonte dos olhos e um tempo que segue mais devagar, o sul é lugar vasto e contrastante, de elementos por vezes mais urbanos e paisagens paradisíacas extensas para o nosso campo de visão. Coqueiros verde-libélula, estrada curvilínea que ao se enladeirar revela aos poucos um mar cor de piscina em proporção oceânica.

No caminho de Jequiá da Praia paramos na Massagueira para acertar a divulgação na bicicleta de som da sessão que aconteceria lá no dia seguinte. Idas e vindas à procura do dono da bicicleta em ruas estreitas para o nosso carro e a carrocinha de equipamentos, que acabaram por atolar em um banco de areia na beira da lagoa. Após inúmeras tentativas inúteis de sair do lugar com a força masculina, as mulheres desceram do carro e logo arranjaram a solução mais óbvia para a questão - retirar a carrocinha, fazer a manobra, acoplá-la novamente e seguir viagem. Todo o processo não durou mais que cinco minutos, dando motivo para piadas sexistas durante o resto do caminho.

Encontramos o homem do som e seguimos para Jequiá quando a manhã já se partia pela metade. Chegamos perto da hora do almoço e fomos direto para a pequena Praça José Cassimiro, banhada pelo rio Jequiá, onde encontramos Monaliza Barros, nosso contato de apoio da Secretaria de Educação e Cultura local. Apesar de estreito, o rio Jequiá tem um charme interessante e águas com cheiro de sabão de côco das roupas lavadas nas cabanas improvisadas dentro do rio.

A praça contrastava com o resto da paisagem, com diversos equipamentos instalados em um espaço muito pequeno, deixando-nos a sensação de que ali existem dois lugares diferentes. De frente para o rio, árvores frondosas e antigas se contorcem em direção à margem preenchida com cabanas de palha e madeira para lavagem de roupa, tendo ao fundo uma mata densa e escura. De costas, uma praça de bancos cor de abóbora e azuis, rodeada de brinquedos infantis, quadra de esportes, um jardim espremido ainda por nascer, bancas de lanches e cervejas.

Acertamos com Dinho a canoa para colocar nossa vela menor, a única que cabia na embarcação, e com Seu Zé, o eletricista local, a energia que puxaríamos do poste. Deixamos nossas mochilas na pousada perto da praça, onde éramos os únicos hóspedes e fomos recebidos de forma extremamente carinhosa pelo dono. Uma varanda deliciosa em forma de éle cercada por mais de dez redes de dormir atraía todo o vento fresco da cidade extremamente quente.

Rodamos as redondezas à procura de um estabelecimento que aceitasse o cheque do projeto no pagamento do almoço. Como cheque parece não ser mais dinheiro, demoramos a encontrar um boteco numa estradinha, que também nos recebeu de braços abertos e até permitiu que substituíssemos o arrocha habitual por um cd de Luiz Melodia.

Montamos os equipamentos às quatro da tarde, quando surpreendentemente o sol ainda estava forte para o horário. A embarcação foi colocada a uma distância de um metro da margem com a ajuda da paciência e simpatia do barqueiro Dinho, que não se incomodou em mergulhar diversas vezes de roupa e tudo para fixar com pedras o barco no fundo do rio. Mesmo após o grande esforço para acertar a projeção com o balanço natural das águas, na hora da sessão os filmes dançaram uma bela valsa lenta e imprevisível ao som das mudanças repentinas do vento.

A tarde caiu no silêncio do rio. Mesmo sofrendo investidas constantes de mosquitos famintos, a contemplação das diferentes tonalidades do céu ao som da música árabe utilizada como teste dos equipamentos, capturou os olhos e pensamentos de muitos que por ali aguardavam o cinema. O descanso de tela do Windows Media Player projetava na vela formas elétricas randômicas, que surrealmente se somavam à simplicidade da paisagem como um vaga-lume.

[foto \ Nataska Conrado]

A vela foi colocada em um nível mais baixo que a platéia, o que fez com que todos se aglomerassem em um semicírculo na margem do rio – crianças sentadas em skates na mesma altura do projetor ou deitadas nas esteiras na altura seguinte, seguidas por adolescentes, idosos, mulheres e crianças de colo em algumas cadeiras de plástico. Os homens se plantaram de pé e braços cruzados logo atrás das cadeiras, numa organização natural onde só interferimos para pedir que as crianças parassem de pular e rasgar as esteiras. O cinema parecia um balão aceso acompanhado pelo público com os olhos baixos voltados para o centro como em um circo.

[foto \ Nataska Conrado]

Os filmes literalmente flutuaram no rio e o reflexo da projeção na água duplicou o espetáculo cinematográfico. Uma das crianças nos alertou do cuidado que devíamos ter com a sereia Iara ao perturbar as águas à noite enquanto um grupo de adultos nos questionava sobre a programação. Vai passar Crepúsculo? Qual é o filme? O costume do longa-metragem americano até mesmo nas menores cidades sempre nos provoca a dar uma resposta com gosto e simpatia: a noite hoje é do cinema brasileiro e os filmes são curtos e muitos.

[foto \ Nataska Conrado]

Os alunos do ProJovem local foram levados para a sessão pela professora e atentos, anotavam tudo sobre os filmes para a escrita de uma resenha crítica para nota. Abrimos com o Acenda uma Velinha e CALANGO LENGO teve sua primeira exibição na itinerância, desbancando até mesmo o carismático MEOW no favoritismo infantil. As crianças estavam eufóricas com o cinema e batiam muitas palmas, riam e comparavam os personagens das animações com seus familiares e amigos.

[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]

Terminamos com a exibição do clássico ILHA DAS FLORES, inédito para os olhos e ouvidos de Jequiá. O filme silenciou a platéia e fez com que um senhor de meia idade nos dissesse ao final que aquele havia sido o melhor de todos os curtas da noite, assim como VIDA MARIA. Para não perder o costume, perguntou como comprá-lo ou onde achar para assistir novamente.

[foto \ Nataska Conrado]

Desmontamos a sessão e em menos de 10 minutos, a praça, que acolheu mais de quatrocentas pessoas que devoraram o cinema com grande festa, ficou vazia como se fosse madrugada. Alguns poucos gatos pingados ainda resistiram para perguntar se haveria uma próxima sessão no dia seguinte, mas foi clara a decepção quando entendiam que seguiríamos viagem.

[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]

Após o jantar, voltamos para a pousada empurrando o microônibus que resolveu não funcionar na hora de maior cansaço. A equipe toda desceu para empurrar o automóvel entre gargalhadas. Foi gostosa a sensação de união que tivemos, naquela que foi a sessão de maior entrosamento profissional e amizade da temporada. Apesar do cansaço, ninguém dormiu e todos entraram pela madrugada conversando nas redes da varanda, relembrando passagens engraçadas da noite, da vida, do cinema, rindo de nós mesmos. Filmes são feitos no plural, as sessões de cinema também. Fomos felizes naquele dia.

[filmes exibidos na sessão 5]

/Acenda uma Velinha:
HISTORIETAS ASSOMBRADAS (PARA CRIANÇAS MALCRIADAS) [Vitor-Hugo Borges
15 min / 2005 / SP]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
CALANGO LENGO – Morte e vida sem ver água [Fernando Miller
10 min/2009/SP]
ATÉ O SOL RAIÁ [Fernando Jorge e Leanndro Amorim
11 min / 2007 / PE]
/Programação Geral:
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
DESALMADA E ATREVIDA [Pedro da Rocha
25 min / 2008 / AL]
BARBOSA [Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado
13 min / 1988 / RS]
VIDA MARIA [Márcio Ramos
9 min / 2006 / CE]
A VELHA A FIAR [Humberto Mauro
6 min / 1960 / RJ]
O JUMENTO SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR [LEO D e William Paiva
11 min / 2007 / PE]
ILHA DAS FLORES [Jorge Furtado
13 min / 1989 / RS]

Um comentário:

Unknown disse...

aiiii como fomos felizes naquele dia!!!
que tenhámos mais dias -
de filmes - felizes como aquele!