. ACENDA UMA VELA ANO 5 ||DEMOCRATIZE O CINEMA BRASILEIRO. FILMES SÃO FEITOS PARA SEREM VISTOS || PELOS DIREITOS DO PÚBLICO. NÓS SOMOS O PÚBLICO. realização: IDEÁRIO . patrocínio: MINISTÉRIO DA CULTURA (MinC) - FNC/Secretaria do Audiovisual E PRÊMIO ARETÉ - PROGRAMA CULTURA VIVA/Secretaria de Cidadania Cultural. parceria: PROGRAMADORA BRASIL e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CINEMA DE ANIMAÇÃO . apoio: CINE + CULTURA, ALGÁS e RÁDIO EDUCATIVA / INSTITUTO ZUMBI DOS PALMARES

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Uma boa sessão de cinema é também documentário

Relato Sessão 7 | MACEIÓ
Capital/AL
. 20/03, 20h – Ponta Verde – sábado
Público: 150 pessoas

O CINEMA ENTRA NA HISTÓRIA POR TODAS AS PORTAS. A cada viagem para as cidades da itinerância o assunto da sessão de encerramento, sempre realizada na capital, é recorrente. A exibição de Maceió é o momento dos filmes ainda inéditos e mais complexos, de maior público, a vez de encerrar processos, alimentar saudades, concretizar o que foi tecido pelas conversas nos automóveis, estradas, noites de pousadas e reuniões.

Durante a semana fizemos um planejamento final do esqueleto da sessão, que se revelava, a princípio, com muito mais ossos que o dos anos anteriores. Seria uma sessão-manifesto pelo incentivo à cultura em Alagoas e a entrega do Troféu Vento Nordeste com os melhores da temporada, eleitos pelo voto popular em todas as cidades onde exibimos. Pela primeira vez o Acenda uma Vela premiaria os curtas e teria uma mostra competitiva, com a eleição do melhor filme da sessão de Maceió através da votação por cédulas distribuídas ao público.

Praia de Ponta Verde, areia branca e sombras,
as duas velas do cinema no teste de projeção.
[foto \ Nataska Conrado]

Havíamos encomendado aos garotos de Piaçabuçu um modelo de troféu em forma de embarcação, feito por eles mesmos com cortiça e sacos plásticos. Lamentavelmente recebemos a encomenda um tanto avariada pelo transporte dos correios, o que impossibilitou que o esmero do garoto Lucas fosse um dos pontos altos do encerramento. A produção contornou o pepino inaugural com a compra de jangadas artesanais de madeira e pano para serem personalizadas por nós e que durante a noite, viraram tela para a projeção em miniatura da vinheta do Vento Nordeste.

Todos os anos a temporada é encerrada no Posto 7, na praia de Jatiúca, mas após algumas discussões e visitas a prováveis locações para o cinema, resolvemos empurrar a vela um pouco mais para frente, a praia vizinha Ponta Verde, na curva do conhecido farol-vermelho-e-branco-cartão-postal. Escolhido o lugar, começamos a batalha pela autorização da Prefeitura para o uso da areia da praia em uma sessão gratuita de cinema aberta à população, um momento bucólico e com muito menos decibéis que os carros dos playboys costumeiros. Uma ação que não desorganizaria o trânsito nem sujaria a praia, pois sempre limpamos o local e colocamos sacos de lixo para o público. Telefonemas aqui e ali, vai-e-vem de ofícios, reclamações, sorrisos e amenidades, conseguimos que olhassem com carinho (e pena) para o nosso cinema mambembe de jangada e quatro caixas de som, que em nada iria atrapalhar a emissão de fumaça dos automóveis maceioenses em uma noite de sábado.

Para nossa apreensão, o dia amanheceu nublado, ainda que sem chuva. Viramos duas madrugadas na edição das vinhetas do manifesto e do troféu, confecção das cédulas, providências de produção e alguns pepinos que deram aviso durante a semana e outros que resolveram aparecer sem nos avisar no dia mesmo, infelizmente listáveis e em efeito dominó: as caixas de som pararam de funcionar e gastamos uma quantia alta em aluguel de equipamento; o notebook onde as vinhetas estavam sendo editadas pifou o monitor; o carro do câmera, que seria um dos apoios de produção, não quis sair da garagem; com tudo montado, uma das tochas acesas na praia ameaçou pegar fogo, tendo que ser apagada às pressas com areia; gente da equipe doente e a CEAL, que mesmo tendo nos cobrado uma taxa inquestionável para instalar mais um ponto de energia no local, não apareceu até quase oito e meia da noite para resolver a questão, nos deixando de braços atados e com a cara calçada de vergonha diante do público. Mas isso ainda não era nada.

Noite de nuvens e manifesto. As vinhetas da quinta temporada
e o público inicial.
[foto \ Nataska Conrado]

Cerca de cem pessoas já enchiam a praia quando a CEAL ligou o segundo ponto de energia. Exibimos durante a espera as duas vinhetas que finalizamos naquele dia para ilustrar o encerramento – a vinheta do Manifesto Alagoas: Terra sem Lei, onde comparamos os recursos investidos na cultura em outras capitais do Nordeste com a falta de incentivo local, e a do Troféu Vento Nordeste. As vinhetas foram projetadas em seqüência nas duas velas branquíssimas e grandes e ainda no troféu, iluminado como uma coroa no centro das duas embarcações.

A praia parou para ver o cinema aportar.
[foto \ Nataska Conrado]

Apesar dos atrasos, a sessão foi uma das mais bonitas e especiais de toda a itinerância. Os coqueiros de um verde impressionante e a pista iluminada em amarelo faziam um pano de fundo à altura do cinema duplicado nas velas. As pessoas se organizaram em esteiras, cadeiras de praia, toras de coqueiro e até mesmo tapetes de borracha retirados dos carros pelos próprios espectadores. O primeiro filme acendeu a tela e aliviou o peso de nossas cabeças cheias de expectativas pela grande dedicação à última sessão. GAROTAS DAS TELAS, um clássico do cinema de animação da década de 80, trouxe leveza e descontração para um início tenso, após os imprevistos provocados pelo descaso da companhia enérgica. Eu e Hermano resolvemos rapidamente exibir UM VESTIDO PARA LIA na seqüência para em seguida, dar início à mostra competitiva.

Como pepino geralmente se compra aos bocados, bastou que Hermano começasse a apresentar o segundo filme para que um inocente pingo de chuva fosse sentido nos óculos dos mais míopes e astigmáticos. E no segundo seguinte à frase descabida “É só um pingo”, um pé d’água desabou sem piedade sobre o cinema e seu público, sobre os equipamentos e nossas vontades frustradas. Corremos o mais rápido possível para cobrir os projetores com uma lona grande e uma parte com as esteiras, enquanto todo o público (as 150 pessoas!) simplesmente evaporou do mapa antes da exibição do segundo filme.

Um vestido para Lia após a chuva e o retorno do público.
[foto \ Nataska Conrado]

A chuva não deu trégua e nós, da equipe, molhados e frustrados até a alma, permanecemos em volta dos equipamentos em círculo sob a lona, protegendo todo o material eletrônico e impresso do Acenda uma Vela com os nossos corações. Enquanto esperávamos a chuva passar, olhamos para trás e não havia mais uma pessoa sequer na praia. Uma sessão-manifesto, que acabava sem ao menos ter tido algum tempo para se manifestar.

Hermano permanecia com o microfone ligado embaixo da camisa e positivamente tentava conversar e convencer as pessoas desaparecidas de que o cinema iria vencer a chuva em pouco tempo. E em uma atitude de desespero, mas acima de tudo de resistência e engajamento, resolvemos ler o manifesto no microfone, mesmo embaixo d’água, mesmo que nenhuma alma sem encontrar sua porta na noite nos escutasse.

Como Hermano havia esquecido os óculos e a praia estava muito escura, Nataska segurou o manifesto molhado na chuva, e enquanto eu o iluminava com uma lanterna, li o texto em voz mais baixa para Hermano, que repetiu as palavras escutadas com a verve necessária no microfone, à medida que elas escorriam do papel. E assim, com nossas vontades inflamadas e sob nossos próprios aplausos de resistência em uma praia já deserta, a chuva cessou de repente e trouxe a outra metade do cinema que já julgávamos perdida. O público foi retornando do abrigo de um quiosque próximo da polícia militar e os seus aplausos se uniram aos nossos aos gritos de viva ao cineclubismo e ao cinema brasileiro entoados com grande excitação.

Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos abre a mostra competitiva.
Cinema e poesia. Namoro e água de côco no lugar da coca-cola.
[foto / Nataska Conrado]

O cinema se completou e pode continuar aceso até o início da madrugada. A competitiva começou logo após o vestido da Lia e foram distribuídas cédulas com 6 documentários recentes e inéditos no projeto e uma animação, que compuseram a mostra de 1 hora e meia dentro da programação geral. O público molhado e instigado nos acompanhou até o último segundo. Um grupo de turistas irlandesas assistia os filmes com atenção, mesmo que quase todos sem legenda, e alguns carros se acumularam na borda da pista para ver da janela duas grandes velas iluminadas pelo cinema embelezando ainda mais a Ponta Verde de todos os dias.

Sweet Karolynne, de Ana Bárbara Ramos (PB).
U
m dos filmes mais comemorados do Acenda uma Vela 5.
[foto \ Nataska Conrado]


A Câmara Viajante, de Joe Pimentel (CE).
Documentário sobre a fotografia popular instigou o público
na mostra competitiva.
[foto / Nataska Conrado]

Em uma câmera de celular, uma espectadora registra
a fotografia em movimento na vela e o fotógrafo
lambe-lambe do filme A Câmara Viajante. Uma viagem metalinguística
no tempo através do olhar atento de Nataska.
[foto / Nataska Conrado]

Enquanto a produção apurava os votos da mostra, ainda exibimos mais quatro curtas antes do final da sessão. Novamente YANSAN e VINIL VERDE arrancaram aplausos voluntários dos espectadores. Muitas atrações na cidade naquela noite de sábado concorreram com o cinema e o público foi o menor que já tivemos em encerramentos na capital. Mas como tamanho não é sinônimo de qualidade, foi um dos mais fiéis que já vistos. Resistiram ao vento, à chuva, aos atrasos, renderam-se sinceramente ao cinema e à vontade de participar.


O nosso público é assim, diferente. Bicicletas viram poltronas...

...sombreiros se tansformam em guarda-chuva no cinema ao ar livre.
[fotos / Nataska Conrado]

Próximo ao final, Hermano anunciou os vencedores do Vento Nordeste e fez a entrega simbólica do troféu aos realizadores, que não puderam comparecer à sessão naquela data. CALANGO LENGO foi a grande surpresa da noite, levando o prêmio de melhor filme da sessão de Maceió na escolha do público em uma competitiva essencialmente documental, e SWEET KAROLYNNE, a grande vedete do Acenda uma Vela, levantou o troféu de melhor filme de toda a itinerância pela votação realizada em cada cidade que passamos. O público ainda premiou MEOW com o troféu resgate histórico do cinema de curta metragem e o Cineclube Ideário deu a NO TEMPO DE MILTINHO o título de filme de melhor avaliação crítica cineclubista.

Vinil Verde, um clássico também no Acenda uma Vela,
nos emociona no encerramento da temporada.
[foto / Nataska Conrado]

Como em todos os anos, terminamos com a vontade de que a semente daquilo que nos move se espalhe: o cinema não tem limites, é transformador e pode estar em qualquer lugar, o importante é a atitude cineclubista. Despedimos-nos do Acenda uma Vela com abraços familiares e desconhecidos entre a equipe e os últimos espectadores, registrados em uma histórica fotografia na frente da embarcação e da projeção. Os segundos finais do último curta pareciam uma contagem regressiva para a enorme saudade que sentiríamos daquelas noites estreladas que nos uniram. Desmontamos a sessão com um sentimento de vazio, uma falta silenciosa sem muita explicação que, sem dúvida, nos acompanharia por muito tempo ainda.

As imagens daquela noite, que foi do público e do cinema, dificilmente serão apagadas das nossas retinas pela suspensão de ter vivido a força de um momento histórico. E aquela praia nunca mais será a mesma, nem aqueles filmes, nem aquela gente, nem nós.

A equipe Acenda uma Vela 5.


Para sempre em uma fotografia...


... a outra metade do cinema, o público.
[fotos / Nataska Conrado]

[filmes exibidos na sessão 7]

/Programação Geral:
A GAROTA DAS TELAS [Cao Hamburguer
15 min / 1988 / SP]
UM VESTIDO PARA LIA [Hermano Figueiredo e Regina Barbosa
14 min / 2010 / AL]

/Mostra competitiva:
AVE MARIA OU MÃE DOS SERTANEJOS [Camilo Cavalcante
12 min / 2009/PE]
CALANGO LENGO – Morte e vida sem ver água [Fernando Miller
10 min/2009/SP]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
TITÃS [Daniele Amaral
6min / 2009 / CE]
DOIS MUNDOS [Thereza Jessouroun
15 min/ 2009 / RJ]
CÂMARA VIAJANTE [Joe Pimentel
19 min / 2007 / CE]
NO TEMPO DE MILTINHO [André Weller
17 min / 2008 / RJ]

/Programação Geral - 2ª parte:
A HISTÓRIA DA ETERNIDADE [Camilo Cavalcante
10 min / 2003 / PE]
YANSAN [Carlos Eduardo Nogueira
18 min / 2006 / RJ]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
VINIL VERDE [Kléber Mendonça
16 min / 2004 / PE

[TROFÉU VENTO NORDESTE]
Vencedores:

Categoria
Filme da Temporada / voto do público
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]

Categoria
Filme da Sessão Maceió / Mostra competitiva / voto do público
CALANGO LENGO – Morte e vida sem ver água [Fernando Miller
10 min/2009/SP]

Categoria
Resgate histórico do cinema de curta-metragem / voto do público
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]

Categoria
Filme de melhor avaliação crítica cineclubista / Prêmio Cineclube Ideário
NO TEMPO DE MILTINHO [André Weller
17 min / 2008 / RJ]