. ACENDA UMA VELA ANO 5 ||DEMOCRATIZE O CINEMA BRASILEIRO. FILMES SÃO FEITOS PARA SEREM VISTOS || PELOS DIREITOS DO PÚBLICO. NÓS SOMOS O PÚBLICO. realização: IDEÁRIO . patrocínio: MINISTÉRIO DA CULTURA (MinC) - FNC/Secretaria do Audiovisual E PRÊMIO ARETÉ - PROGRAMA CULTURA VIVA/Secretaria de Cidadania Cultural. parceria: PROGRAMADORA BRASIL e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CINEMA DE ANIMAÇÃO . apoio: CINE + CULTURA, ALGÁS e RÁDIO EDUCATIVA / INSTITUTO ZUMBI DOS PALMARES

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Uma boa sessão de cinema é também documentário

Relato Sessão 7 | MACEIÓ
Capital/AL
. 20/03, 20h – Ponta Verde – sábado
Público: 150 pessoas

O CINEMA ENTRA NA HISTÓRIA POR TODAS AS PORTAS. A cada viagem para as cidades da itinerância o assunto da sessão de encerramento, sempre realizada na capital, é recorrente. A exibição de Maceió é o momento dos filmes ainda inéditos e mais complexos, de maior público, a vez de encerrar processos, alimentar saudades, concretizar o que foi tecido pelas conversas nos automóveis, estradas, noites de pousadas e reuniões.

Durante a semana fizemos um planejamento final do esqueleto da sessão, que se revelava, a princípio, com muito mais ossos que o dos anos anteriores. Seria uma sessão-manifesto pelo incentivo à cultura em Alagoas e a entrega do Troféu Vento Nordeste com os melhores da temporada, eleitos pelo voto popular em todas as cidades onde exibimos. Pela primeira vez o Acenda uma Vela premiaria os curtas e teria uma mostra competitiva, com a eleição do melhor filme da sessão de Maceió através da votação por cédulas distribuídas ao público.

Praia de Ponta Verde, areia branca e sombras,
as duas velas do cinema no teste de projeção.
[foto \ Nataska Conrado]

Havíamos encomendado aos garotos de Piaçabuçu um modelo de troféu em forma de embarcação, feito por eles mesmos com cortiça e sacos plásticos. Lamentavelmente recebemos a encomenda um tanto avariada pelo transporte dos correios, o que impossibilitou que o esmero do garoto Lucas fosse um dos pontos altos do encerramento. A produção contornou o pepino inaugural com a compra de jangadas artesanais de madeira e pano para serem personalizadas por nós e que durante a noite, viraram tela para a projeção em miniatura da vinheta do Vento Nordeste.

Todos os anos a temporada é encerrada no Posto 7, na praia de Jatiúca, mas após algumas discussões e visitas a prováveis locações para o cinema, resolvemos empurrar a vela um pouco mais para frente, a praia vizinha Ponta Verde, na curva do conhecido farol-vermelho-e-branco-cartão-postal. Escolhido o lugar, começamos a batalha pela autorização da Prefeitura para o uso da areia da praia em uma sessão gratuita de cinema aberta à população, um momento bucólico e com muito menos decibéis que os carros dos playboys costumeiros. Uma ação que não desorganizaria o trânsito nem sujaria a praia, pois sempre limpamos o local e colocamos sacos de lixo para o público. Telefonemas aqui e ali, vai-e-vem de ofícios, reclamações, sorrisos e amenidades, conseguimos que olhassem com carinho (e pena) para o nosso cinema mambembe de jangada e quatro caixas de som, que em nada iria atrapalhar a emissão de fumaça dos automóveis maceioenses em uma noite de sábado.

Para nossa apreensão, o dia amanheceu nublado, ainda que sem chuva. Viramos duas madrugadas na edição das vinhetas do manifesto e do troféu, confecção das cédulas, providências de produção e alguns pepinos que deram aviso durante a semana e outros que resolveram aparecer sem nos avisar no dia mesmo, infelizmente listáveis e em efeito dominó: as caixas de som pararam de funcionar e gastamos uma quantia alta em aluguel de equipamento; o notebook onde as vinhetas estavam sendo editadas pifou o monitor; o carro do câmera, que seria um dos apoios de produção, não quis sair da garagem; com tudo montado, uma das tochas acesas na praia ameaçou pegar fogo, tendo que ser apagada às pressas com areia; gente da equipe doente e a CEAL, que mesmo tendo nos cobrado uma taxa inquestionável para instalar mais um ponto de energia no local, não apareceu até quase oito e meia da noite para resolver a questão, nos deixando de braços atados e com a cara calçada de vergonha diante do público. Mas isso ainda não era nada.

Noite de nuvens e manifesto. As vinhetas da quinta temporada
e o público inicial.
[foto \ Nataska Conrado]

Cerca de cem pessoas já enchiam a praia quando a CEAL ligou o segundo ponto de energia. Exibimos durante a espera as duas vinhetas que finalizamos naquele dia para ilustrar o encerramento – a vinheta do Manifesto Alagoas: Terra sem Lei, onde comparamos os recursos investidos na cultura em outras capitais do Nordeste com a falta de incentivo local, e a do Troféu Vento Nordeste. As vinhetas foram projetadas em seqüência nas duas velas branquíssimas e grandes e ainda no troféu, iluminado como uma coroa no centro das duas embarcações.

A praia parou para ver o cinema aportar.
[foto \ Nataska Conrado]

Apesar dos atrasos, a sessão foi uma das mais bonitas e especiais de toda a itinerância. Os coqueiros de um verde impressionante e a pista iluminada em amarelo faziam um pano de fundo à altura do cinema duplicado nas velas. As pessoas se organizaram em esteiras, cadeiras de praia, toras de coqueiro e até mesmo tapetes de borracha retirados dos carros pelos próprios espectadores. O primeiro filme acendeu a tela e aliviou o peso de nossas cabeças cheias de expectativas pela grande dedicação à última sessão. GAROTAS DAS TELAS, um clássico do cinema de animação da década de 80, trouxe leveza e descontração para um início tenso, após os imprevistos provocados pelo descaso da companhia enérgica. Eu e Hermano resolvemos rapidamente exibir UM VESTIDO PARA LIA na seqüência para em seguida, dar início à mostra competitiva.

Como pepino geralmente se compra aos bocados, bastou que Hermano começasse a apresentar o segundo filme para que um inocente pingo de chuva fosse sentido nos óculos dos mais míopes e astigmáticos. E no segundo seguinte à frase descabida “É só um pingo”, um pé d’água desabou sem piedade sobre o cinema e seu público, sobre os equipamentos e nossas vontades frustradas. Corremos o mais rápido possível para cobrir os projetores com uma lona grande e uma parte com as esteiras, enquanto todo o público (as 150 pessoas!) simplesmente evaporou do mapa antes da exibição do segundo filme.

Um vestido para Lia após a chuva e o retorno do público.
[foto \ Nataska Conrado]

A chuva não deu trégua e nós, da equipe, molhados e frustrados até a alma, permanecemos em volta dos equipamentos em círculo sob a lona, protegendo todo o material eletrônico e impresso do Acenda uma Vela com os nossos corações. Enquanto esperávamos a chuva passar, olhamos para trás e não havia mais uma pessoa sequer na praia. Uma sessão-manifesto, que acabava sem ao menos ter tido algum tempo para se manifestar.

Hermano permanecia com o microfone ligado embaixo da camisa e positivamente tentava conversar e convencer as pessoas desaparecidas de que o cinema iria vencer a chuva em pouco tempo. E em uma atitude de desespero, mas acima de tudo de resistência e engajamento, resolvemos ler o manifesto no microfone, mesmo embaixo d’água, mesmo que nenhuma alma sem encontrar sua porta na noite nos escutasse.

Como Hermano havia esquecido os óculos e a praia estava muito escura, Nataska segurou o manifesto molhado na chuva, e enquanto eu o iluminava com uma lanterna, li o texto em voz mais baixa para Hermano, que repetiu as palavras escutadas com a verve necessária no microfone, à medida que elas escorriam do papel. E assim, com nossas vontades inflamadas e sob nossos próprios aplausos de resistência em uma praia já deserta, a chuva cessou de repente e trouxe a outra metade do cinema que já julgávamos perdida. O público foi retornando do abrigo de um quiosque próximo da polícia militar e os seus aplausos se uniram aos nossos aos gritos de viva ao cineclubismo e ao cinema brasileiro entoados com grande excitação.

Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos abre a mostra competitiva.
Cinema e poesia. Namoro e água de côco no lugar da coca-cola.
[foto / Nataska Conrado]

O cinema se completou e pode continuar aceso até o início da madrugada. A competitiva começou logo após o vestido da Lia e foram distribuídas cédulas com 6 documentários recentes e inéditos no projeto e uma animação, que compuseram a mostra de 1 hora e meia dentro da programação geral. O público molhado e instigado nos acompanhou até o último segundo. Um grupo de turistas irlandesas assistia os filmes com atenção, mesmo que quase todos sem legenda, e alguns carros se acumularam na borda da pista para ver da janela duas grandes velas iluminadas pelo cinema embelezando ainda mais a Ponta Verde de todos os dias.

Sweet Karolynne, de Ana Bárbara Ramos (PB).
U
m dos filmes mais comemorados do Acenda uma Vela 5.
[foto \ Nataska Conrado]


A Câmara Viajante, de Joe Pimentel (CE).
Documentário sobre a fotografia popular instigou o público
na mostra competitiva.
[foto / Nataska Conrado]

Em uma câmera de celular, uma espectadora registra
a fotografia em movimento na vela e o fotógrafo
lambe-lambe do filme A Câmara Viajante. Uma viagem metalinguística
no tempo através do olhar atento de Nataska.
[foto / Nataska Conrado]

Enquanto a produção apurava os votos da mostra, ainda exibimos mais quatro curtas antes do final da sessão. Novamente YANSAN e VINIL VERDE arrancaram aplausos voluntários dos espectadores. Muitas atrações na cidade naquela noite de sábado concorreram com o cinema e o público foi o menor que já tivemos em encerramentos na capital. Mas como tamanho não é sinônimo de qualidade, foi um dos mais fiéis que já vistos. Resistiram ao vento, à chuva, aos atrasos, renderam-se sinceramente ao cinema e à vontade de participar.


O nosso público é assim, diferente. Bicicletas viram poltronas...

...sombreiros se tansformam em guarda-chuva no cinema ao ar livre.
[fotos / Nataska Conrado]

Próximo ao final, Hermano anunciou os vencedores do Vento Nordeste e fez a entrega simbólica do troféu aos realizadores, que não puderam comparecer à sessão naquela data. CALANGO LENGO foi a grande surpresa da noite, levando o prêmio de melhor filme da sessão de Maceió na escolha do público em uma competitiva essencialmente documental, e SWEET KAROLYNNE, a grande vedete do Acenda uma Vela, levantou o troféu de melhor filme de toda a itinerância pela votação realizada em cada cidade que passamos. O público ainda premiou MEOW com o troféu resgate histórico do cinema de curta metragem e o Cineclube Ideário deu a NO TEMPO DE MILTINHO o título de filme de melhor avaliação crítica cineclubista.

Vinil Verde, um clássico também no Acenda uma Vela,
nos emociona no encerramento da temporada.
[foto / Nataska Conrado]

Como em todos os anos, terminamos com a vontade de que a semente daquilo que nos move se espalhe: o cinema não tem limites, é transformador e pode estar em qualquer lugar, o importante é a atitude cineclubista. Despedimos-nos do Acenda uma Vela com abraços familiares e desconhecidos entre a equipe e os últimos espectadores, registrados em uma histórica fotografia na frente da embarcação e da projeção. Os segundos finais do último curta pareciam uma contagem regressiva para a enorme saudade que sentiríamos daquelas noites estreladas que nos uniram. Desmontamos a sessão com um sentimento de vazio, uma falta silenciosa sem muita explicação que, sem dúvida, nos acompanharia por muito tempo ainda.

As imagens daquela noite, que foi do público e do cinema, dificilmente serão apagadas das nossas retinas pela suspensão de ter vivido a força de um momento histórico. E aquela praia nunca mais será a mesma, nem aqueles filmes, nem aquela gente, nem nós.

A equipe Acenda uma Vela 5.


Para sempre em uma fotografia...


... a outra metade do cinema, o público.
[fotos / Nataska Conrado]

[filmes exibidos na sessão 7]

/Programação Geral:
A GAROTA DAS TELAS [Cao Hamburguer
15 min / 1988 / SP]
UM VESTIDO PARA LIA [Hermano Figueiredo e Regina Barbosa
14 min / 2010 / AL]

/Mostra competitiva:
AVE MARIA OU MÃE DOS SERTANEJOS [Camilo Cavalcante
12 min / 2009/PE]
CALANGO LENGO – Morte e vida sem ver água [Fernando Miller
10 min/2009/SP]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
TITÃS [Daniele Amaral
6min / 2009 / CE]
DOIS MUNDOS [Thereza Jessouroun
15 min/ 2009 / RJ]
CÂMARA VIAJANTE [Joe Pimentel
19 min / 2007 / CE]
NO TEMPO DE MILTINHO [André Weller
17 min / 2008 / RJ]

/Programação Geral - 2ª parte:
A HISTÓRIA DA ETERNIDADE [Camilo Cavalcante
10 min / 2003 / PE]
YANSAN [Carlos Eduardo Nogueira
18 min / 2006 / RJ]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
VINIL VERDE [Kléber Mendonça
16 min / 2004 / PE

[TROFÉU VENTO NORDESTE]
Vencedores:

Categoria
Filme da Temporada / voto do público
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]

Categoria
Filme da Sessão Maceió / Mostra competitiva / voto do público
CALANGO LENGO – Morte e vida sem ver água [Fernando Miller
10 min/2009/SP]

Categoria
Resgate histórico do cinema de curta-metragem / voto do público
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]

Categoria
Filme de melhor avaliação crítica cineclubista / Prêmio Cineclube Ideário
NO TEMPO DE MILTINHO [André Weller
17 min / 2008 / RJ]


terça-feira, 27 de abril de 2010

Premiere do vestido, kombis e banguelas

RELATO SESSÃO 6 | MASSAGUEIRA
Litoral Sul/AL
. 13/03, 19h 30 – centro – sábado
Público: 160 pessoas

O CINEMA CONTA HISTÓRIAS DIFERENTES COM TEMAS IGUAIS. Saímos de Jequiá às dez da manhã e novamente demos alguns trancos no automóvel para que voltasse a funcionar. Aproveitando a situação cômico-trágica, convencemos a equipe, com exceção de Hermano, a simular a entrada na Kombi amarela do filme Pequena Miss Sunshine: enquanto todos empurravam o microônibus, fomos entrando um a um no carro já em movimento e quase deixamos Tadeu, nosso dedicado câmera que registrava a cena, do lado de fora. Mais uma vez saímos na famosa banguela, rumo à penúltima sessão da temporada.

Após o maior público da itinerância, Jequiá, partimos para aquela que seria uma sessão atípica nos cinco anos de Acenda uma Vela. Pela primeira vez haveria um lançamento de filme durante a programação, o curta-metragem de ficção Um vestido para Lia, dirigido por Hermano e Regina. Dois meses após o fim das filmagens na Massagueira, voltamos para exibir na vela da jangada a empreitada que grande parte da comunidade ajudou a construir.

Chegamos ao local na hora do almoço e novamente os queridíssimos Lula e Gustavo nos cederam o Ateliê Curiboca para apoio de produção. O dia estava extremamente quente, as folhas dos coqueiros paradas, o asfalto novo e brilhante fervilhando sob nossos pés. Dessa vez a sessão não seria na Praça da Igreja Divina Pastora, como é costume na Massagueira, mas sim em um terreno lateral de areia, na beira da lagoa, onde poderíamos colocar a embarcação dentro d’água.

O sol estava de rachar o côco e combinamos montar a sessão somente às quatro e meia, quando seria possível raciocinar com menos calor e carregar os equipamentos na areia. Paramos para o almoço no famoso Bar do Delegado, um baixinho invocado e de risada engraçada que nunca foi da polícia, mas que posa para fotos no próprio cardápio segurando peixes e espingardas.

O calor demorou a diminuir e logo abrimos a vela quadrada para garantir uma maior projeção durante o lançamento, além de esteiras e cadeiras plásticas para o público. Dessa vez a equipe estava em totalidade, com a presença dos setores mais administrativos do projeto, como Núbia e Regina, que veio do Rio para o lançamento do seu filme, e de Adso, nosso projecionista mais biólogo do cinema.

O dia escureceu e o público começou a chegar aos poucos para ver o vestido da Lia flutuar na beira da lagoa. A protagonista do filme e moradora da Massagueira, a adolescente Fabrícia Avelino, logo apareceu para sua primeira noite de entrevistas e aplausos, coisas que só imaginava possíveis durante os seus sonhos mais delirantes.

Hermano abre a sessão da Massagueira, a penúltima da temporada
[foto / Nataska Conrado]

O público lotou a beira da lagoa à espera da Lia
[foto / Nataska Conrado]

Vermelho Rubro do Céu da Boca, Sweet Karolynne
e Barbosa esquentaram a noite do vestido
[foto / Nataska Conrado]

Alguns amigos próximos compareceram pela proximidade do povoado em relação à Maceió e a Kombi psicodélica dos Saudáveis Subversivos veio registrar a sessão para o canal Futura. Abrimos a noite com a exibição de VERMELHO RUBRO DO CÉU DA BOCA e seguimos com SWEET KAROLYNNE e BARBOSA, para aumentar ainda mais a ansiedade de Fabrícia, da equipe do filme e do público que veio somente para ver a Lia. Karolynne foi, mais uma vez, recebida com muitos aplausos e gargalhadas, comprovando definitivamente que veio para ser o filme da 5ª temporada.

As crianças ocuparam as esteiras na frente da vela
e se deixaram acalmar pelo cinema
[foto / Nataska Conrado]

Se tem cinema, tem bicicleta
[foto / Nataska Conrado]

Quase nove da noite, o tão esperado UM VESTIDO PARA LIA acendeu a vela na beira da lagoa Mangüaba e emocionou a equipe e muitos moradores da Massagueira que participaram da produção. Ao fim da exibição, Hermano pediu que se aproximassem da vela todos que ajudaram a costurar o vestido da Lia e a equipe técnica, elenco, diretores e ajudantes posaram para uma fotografia que com certeza ficará marcada na nossa memória e do público presente.

A protagonista de Um vestido para Lia, Fabrícia Avelino, 
é recebida com aplausos pelos moradores
[foto / Nataska Conrado]

As cores do cinema se completam com o público
[foto / Nataska Conrado]

Os pais de Fabrícia chegaram atrasados e exibimos novamente o filme para que pudessem ver o bonito trabalho da sua cria. Em seguida, o público evaporou como na noite anterior. Nos mesmos dez minutos não havia um pé de gente no espaço anteriormente ocupado por cerca de 160 pessoas.

Fabrícia dá entrevista após a exibição do filme.
A estréia emocionou a talentosa atriz
[foto / Nataska Conrado]

O cinema é coletivo do início ao fim. A equipe do filme: satisfação
e felicidade pela conclusão de um trabalho suado e cheio de dedicação
[foto / Nataska Conrado]

Parece que a nossa memória do final de semana foi mesmo das meninas do cinema, seja com a barrigudinha Olive, de Pequena Miss Sunshine, a banguela Karolynne ou a aperriada Lia. E como estranho seria se fosse diferente, parte da equipe demorou a chegar em casa naquela noite: o automóvel pifou sem chance de banguelas, para desespero do cansaço de uns e aventura de outros. Mas até ele foi nosso companheiro, resistindo até que realizássemos a sessão para entregar os pontos. A saudade é que já foi começando a apertar quando nos despedimos pensando ser a última semana do cinema e de todos nós assim, juntos nele, por ele e pelo público.

[filmes exibidos na sessão 6]

/Programação Geral:
VERMELHO RUBRO DO CÉU DA BOCA [Sofia Federico
18 min / 2005 / BA]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
BARBOSA [Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado
13 min / 1988 / RS]

/Pré-estréia de filme
UM VESTIDO PARA LIA [Hermano Figueiredo e Regina Barbosa
14 min / 2010 / AL]

400 cinemas e nós

RELATO SESSÃO 5 | JEQUIÁ DA PRAIA
Litoral Sul/AL
. 12/03, 19h – centro – sexta-feira
Público: 420 pessoas

O CINEMA É UM BALÃO ACESO NO PLURAL. Saímos cedo de Maceió na sexta-feira. Viajamos para o litoral sul com a equipe completa no microônibus e dessa vez com Beto e Peixe como assistentes e a presença inédita de Amanda. Seguimos ouvindo as histórias mirabolantes de Hermano, o homem que viveu duzentos anos em cinqüenta, e relembrando a engenhosidade e sutilezas de filmes como Conduzindo Miss Daisy.

As energias e belezas do litoral norte e sul de Alagoas são bem diferentes. Enquanto o primeiro tem uma beleza interiorana bucólica mais alcançável no horizonte dos olhos e um tempo que segue mais devagar, o sul é lugar vasto e contrastante, de elementos por vezes mais urbanos e paisagens paradisíacas extensas para o nosso campo de visão. Coqueiros verde-libélula, estrada curvilínea que ao se enladeirar revela aos poucos um mar cor de piscina em proporção oceânica.

No caminho de Jequiá da Praia paramos na Massagueira para acertar a divulgação na bicicleta de som da sessão que aconteceria lá no dia seguinte. Idas e vindas à procura do dono da bicicleta em ruas estreitas para o nosso carro e a carrocinha de equipamentos, que acabaram por atolar em um banco de areia na beira da lagoa. Após inúmeras tentativas inúteis de sair do lugar com a força masculina, as mulheres desceram do carro e logo arranjaram a solução mais óbvia para a questão - retirar a carrocinha, fazer a manobra, acoplá-la novamente e seguir viagem. Todo o processo não durou mais que cinco minutos, dando motivo para piadas sexistas durante o resto do caminho.

Encontramos o homem do som e seguimos para Jequiá quando a manhã já se partia pela metade. Chegamos perto da hora do almoço e fomos direto para a pequena Praça José Cassimiro, banhada pelo rio Jequiá, onde encontramos Monaliza Barros, nosso contato de apoio da Secretaria de Educação e Cultura local. Apesar de estreito, o rio Jequiá tem um charme interessante e águas com cheiro de sabão de côco das roupas lavadas nas cabanas improvisadas dentro do rio.

A praça contrastava com o resto da paisagem, com diversos equipamentos instalados em um espaço muito pequeno, deixando-nos a sensação de que ali existem dois lugares diferentes. De frente para o rio, árvores frondosas e antigas se contorcem em direção à margem preenchida com cabanas de palha e madeira para lavagem de roupa, tendo ao fundo uma mata densa e escura. De costas, uma praça de bancos cor de abóbora e azuis, rodeada de brinquedos infantis, quadra de esportes, um jardim espremido ainda por nascer, bancas de lanches e cervejas.

Acertamos com Dinho a canoa para colocar nossa vela menor, a única que cabia na embarcação, e com Seu Zé, o eletricista local, a energia que puxaríamos do poste. Deixamos nossas mochilas na pousada perto da praça, onde éramos os únicos hóspedes e fomos recebidos de forma extremamente carinhosa pelo dono. Uma varanda deliciosa em forma de éle cercada por mais de dez redes de dormir atraía todo o vento fresco da cidade extremamente quente.

Rodamos as redondezas à procura de um estabelecimento que aceitasse o cheque do projeto no pagamento do almoço. Como cheque parece não ser mais dinheiro, demoramos a encontrar um boteco numa estradinha, que também nos recebeu de braços abertos e até permitiu que substituíssemos o arrocha habitual por um cd de Luiz Melodia.

Montamos os equipamentos às quatro da tarde, quando surpreendentemente o sol ainda estava forte para o horário. A embarcação foi colocada a uma distância de um metro da margem com a ajuda da paciência e simpatia do barqueiro Dinho, que não se incomodou em mergulhar diversas vezes de roupa e tudo para fixar com pedras o barco no fundo do rio. Mesmo após o grande esforço para acertar a projeção com o balanço natural das águas, na hora da sessão os filmes dançaram uma bela valsa lenta e imprevisível ao som das mudanças repentinas do vento.

A tarde caiu no silêncio do rio. Mesmo sofrendo investidas constantes de mosquitos famintos, a contemplação das diferentes tonalidades do céu ao som da música árabe utilizada como teste dos equipamentos, capturou os olhos e pensamentos de muitos que por ali aguardavam o cinema. O descanso de tela do Windows Media Player projetava na vela formas elétricas randômicas, que surrealmente se somavam à simplicidade da paisagem como um vaga-lume.

[foto \ Nataska Conrado]

A vela foi colocada em um nível mais baixo que a platéia, o que fez com que todos se aglomerassem em um semicírculo na margem do rio – crianças sentadas em skates na mesma altura do projetor ou deitadas nas esteiras na altura seguinte, seguidas por adolescentes, idosos, mulheres e crianças de colo em algumas cadeiras de plástico. Os homens se plantaram de pé e braços cruzados logo atrás das cadeiras, numa organização natural onde só interferimos para pedir que as crianças parassem de pular e rasgar as esteiras. O cinema parecia um balão aceso acompanhado pelo público com os olhos baixos voltados para o centro como em um circo.

[foto \ Nataska Conrado]

Os filmes literalmente flutuaram no rio e o reflexo da projeção na água duplicou o espetáculo cinematográfico. Uma das crianças nos alertou do cuidado que devíamos ter com a sereia Iara ao perturbar as águas à noite enquanto um grupo de adultos nos questionava sobre a programação. Vai passar Crepúsculo? Qual é o filme? O costume do longa-metragem americano até mesmo nas menores cidades sempre nos provoca a dar uma resposta com gosto e simpatia: a noite hoje é do cinema brasileiro e os filmes são curtos e muitos.

[foto \ Nataska Conrado]

Os alunos do ProJovem local foram levados para a sessão pela professora e atentos, anotavam tudo sobre os filmes para a escrita de uma resenha crítica para nota. Abrimos com o Acenda uma Velinha e CALANGO LENGO teve sua primeira exibição na itinerância, desbancando até mesmo o carismático MEOW no favoritismo infantil. As crianças estavam eufóricas com o cinema e batiam muitas palmas, riam e comparavam os personagens das animações com seus familiares e amigos.

[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]

Terminamos com a exibição do clássico ILHA DAS FLORES, inédito para os olhos e ouvidos de Jequiá. O filme silenciou a platéia e fez com que um senhor de meia idade nos dissesse ao final que aquele havia sido o melhor de todos os curtas da noite, assim como VIDA MARIA. Para não perder o costume, perguntou como comprá-lo ou onde achar para assistir novamente.

[foto \ Nataska Conrado]

Desmontamos a sessão e em menos de 10 minutos, a praça, que acolheu mais de quatrocentas pessoas que devoraram o cinema com grande festa, ficou vazia como se fosse madrugada. Alguns poucos gatos pingados ainda resistiram para perguntar se haveria uma próxima sessão no dia seguinte, mas foi clara a decepção quando entendiam que seguiríamos viagem.

[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]

Após o jantar, voltamos para a pousada empurrando o microônibus que resolveu não funcionar na hora de maior cansaço. A equipe toda desceu para empurrar o automóvel entre gargalhadas. Foi gostosa a sensação de união que tivemos, naquela que foi a sessão de maior entrosamento profissional e amizade da temporada. Apesar do cansaço, ninguém dormiu e todos entraram pela madrugada conversando nas redes da varanda, relembrando passagens engraçadas da noite, da vida, do cinema, rindo de nós mesmos. Filmes são feitos no plural, as sessões de cinema também. Fomos felizes naquele dia.

[filmes exibidos na sessão 5]

/Acenda uma Velinha:
HISTORIETAS ASSOMBRADAS (PARA CRIANÇAS MALCRIADAS) [Vitor-Hugo Borges
15 min / 2005 / SP]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
CALANGO LENGO – Morte e vida sem ver água [Fernando Miller
10 min/2009/SP]
ATÉ O SOL RAIÁ [Fernando Jorge e Leanndro Amorim
11 min / 2007 / PE]
/Programação Geral:
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
DESALMADA E ATREVIDA [Pedro da Rocha
25 min / 2008 / AL]
BARBOSA [Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado
13 min / 1988 / RS]
VIDA MARIA [Márcio Ramos
9 min / 2006 / CE]
A VELHA A FIAR [Humberto Mauro
6 min / 1960 / RJ]
O JUMENTO SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR [LEO D e William Paiva
11 min / 2007 / PE]
ILHA DAS FLORES [Jorge Furtado
13 min / 1989 / RS]

Tela de luz puríssima

RELATO SESSÃO 4 | MARAGOGI
Litoral Norte/AL
. 05/03, 20h – Barra Grande – sexta-feira
Público: 130 pessoas

A LUA NA JANELA ERA CINEMA. Quase todos os anos o município de Maragogi recebe o projeto Acenda uma Vela nas praias do centro da cidade, Peroba e São Bento. Este ano não havíamos planejado sessões para o local, pois a idéia era visitar um maior número de novas localidades, como o município vizinho Japaratinga na abertura da temporada. Mas parece que a vela se apegou à cidade e como roupa muito usada, seguiria mesmo sem o dono para lá: de última hora fomos convidados para uma sessão extra na cidade, aproveitando o público do 1º Encontro Regional de Pontos de Cultura de Alagoas e Sergipe promovido pelo Ministério da Cultura, nosso patrocinador, e pela Secretaria de Cultura do Estado.

Maragogi fica bem no meio do caminho entre Alagoas e Pernambuco e acabamos viajando na sexta-feira mesmo para a sessão que aconteceria à noite. Saímos da Ideário no início da tarde e como Hermano só iria chegar depois e os assistentes, Beto e Peixe, não iriam sessão, partimos numa grande caravana da Luluzinha, com Tadeu e Val, o assistente por um dia, espremidos pela conversa feminina frenética durante a viagem.
O apoio para hospedagem no hotel do encontro furou e acabamos acertando nossa estadia de uma noite no bom e velho chalé do Bob, onde sempre ficamos durante as sessões de São Bento, praia vizinha. Fomos direto para lá assim que chegamos, às quatro da tarde, assentamos as mochilas e seguimos para Barra Grande com os equipamentos. Começamos a descarregar e montar o ambiente por volta das cinco horas com a praia escurecendo deserta, o mar de uma esmeralda escura.

Hermano chegou no início da noite, após uma maratona digna de James Bond. Do Rio de Janeiro à Maragogi, passando por Recife, ele utilizou quase todos os meios de transporte disponíveis para os seres humanos – avião, ônibus, trem, van, microônibus e as próprias pernas, ficando devendo apenas aos transportes aquáticos para sorte dele e nossa.

A sessão foi montada na areia atrás do hotel Praia Dourada. Um grupo de dança Afro pediu para utilizar o som do cinema durante a apresentação que fariam no meio da sessão. Ensaiamos com eles para marcação das músicas enquanto uma parte da equipe prendia as fitas coloridas nos poucos coqueiros e a noite deixava acender as primeiras estrelas.

Assim que alguns pares de olhos começaram a se aproximar da vela após o jantar, projetamos o primeiro filme, ACENDA UMA VELA 4 – DIÁRIO DA ITINERÂNCIA, um livre registro sobre a temporada anterior do projeto. Foi a primeira vez que o exibimos em público, já que até então sua circulação havia se restringido à internet. Após o filme-aquecimento-de-sessão, iniciamos com CAMPO BRANCO e ÁRVORE DA MISÉRIA como referência à diversidade da produção nordestina.

Hermano abre a sessão e a noite faz tela do cinema na vela
[foto \ Nataska Conrado]

Nosso velho conhecido de outras temporadas, o curta YANSAN, foi inédito para boa parte do público da sessão e intrigou os pontos de cultura afro com as possibilidades da animação. Para nossa surpresa, o vídeo DIZER LIVRE, realizado pelos jovens do Ponto de Cultura Ideário, segurou a atenção da maioria com as reflexões sensíveis do personagem central, o adolescente Alisson, mesmo com seus 20 minutos. Mas foi SWEET KAROLYNNE que arrebatou sensações: gargalhadas, silêncios e comoção ao ouvir a versão de Love me Tender, de Elvis Presley, em inglês infantil inventado pela garota. Os pedidos para comprar o filme foram tantos quanto os aplausos ao final da exibição e a frustração ao saber que não comercializamos os curtas.

Os garçons do hotel faziam questão de servir os hóspedes na areia a cada segundo, pois só assim poderiam dar uma olhadinha na exibição e se indagarem do porquê de nunca terem pensado em organizar algo semelhante com os pescadores da região. Uma hóspede nos contou ao final da noite que viu a vela acesa da janela do seu apartamento e na mesma hora avisou ao marido, que tomava banho e não a levou a sério. “Ele saiu molhado de toalha para ver da varanda de tanto que insisti. Ficamos sem acreditar que o cinema estava numa embarcação”.

Perto do final da sessão, um momento inesperado arrancou aplausos espontâneos do público. Às dez da noite, uma lua alaranjada começou a surgir na linha do horizonte como uma bola de fogo. Parecia que estávamos presenciando um eclipse raríssimo, tamanha a surpresa e magia do momento. A praia deserta e escura, somente o cinema, a lua e as estrelas sinalizavam, com nostalgia, o público deitado nas esteiras e cadeiras de sol. Inspirados pela suspensão do instante, o grupo de dança afro começou sua apresentação na frente da vela, espalhando cantos e batuques em direção às águas do mar em saudação à Iemanjá.

A vela, o cinema, a lua.
[foto \ Nataska Conrado]

Dança afro dos pontos de cultura.
[foto \ Nataska Conrado]

Terminamos com a exibição de O DJ DO AGRESTE e NO TEMPO DE MILTINHO, para os admiradores e freqüentadores arapiraquenses do Bar do Paulo e os fãs de longa data da genialidade de Miltinho. A conversa com o público relativamente conhecido nos segurou pelo início da madrugada e voltamos no microônibus bastante animados com o retorno positivo da sessão. Muitos Pontos de Cultura conheciam nosso trabalho, porém nunca haviam assistido uma exibição do Acenda uma Vela. Não havia crianças na sessão, o que nos deu uma maior liberdade para exibir filmes fantásticos que não podemos tirar da cartola com freqüência pela restrição da classificação indicativa.

Era madrugada quando partimos para São Bento e apesar do caminho relativamente curto, a estrada vazia pareceu muito maior pela escuridão da noite e por nossas longas conversas sobre os filmes com imitações de cenas e as freqüentes gargalhadas. Fomos dormir embalados por conversas na área externa do chalé e ao som do dêjota laptop com Cat Stevens, James Taylor e Caetano sob um céu de estrelas. Será difícil esquecer a lua daquela noite, a noite daquele cinema.

[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]

O público deitado na areia e nas cadeiras de sol
[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]

Fim de sessão com a lua já alta no céu
[foto \ Nataska Conrado]


[filmes exibidos na sessão 4]

/Programação Geral:
ACENDA UMA VELA 4 – DIÁRIO DA ITINERÂNCIA [Ideário Comunicação e Cultura
20 min / 2009 / AL]
CAMPO BRANCO [Telmo Carvalho
15 min / 1997 / CE]
A ÁRVORE DA MISÉRIA [Marcus Vilar
12 min / 1997 / PB]
YANSAN [Carlos Eduardo Nogueira
18 min / 2006 / RJ]
VINIL VERDE [Kléber Mendonça
16 min / 2004 / PE]
O JUMENTO SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR [LEO D e William Paiva
11 min / 2007 / PE]
DIZER LIVRE [Direção coletiva Ponto de Cultura Ideário
20 min /2008 / AL]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
O DJ DO AGRESTE [Regina Barbosa
18 min / 2007 / AL]
NO TEMPO DE MILTINHO [André Weller
17 min / 2008 / RJ]

Noite preta, borboletas e sombras

RELATO SESSÃO 3 | PIAÇABUÇU
Litoral Sul/AL
. 28/02, 19h – povoado Sudene - domingo
Público: 150 pessoas

QUANDO UMA BORBOLETA VOA NO CINEMA, AS ASAS SÃO NOSSAS. Cogitamos algumas vezes realizar a 2ª sessão de Piaçabuçu no Pontal do Peba, porém após muitas conversas e distribuições dos pesos nos pratos da balança, optamos pelo povoado Sudene, um pouco mais afastado do centro da cidade. A comunidade não é das maiores do lugar, mas a inexistência de ações culturais é gritante.

Na ausência de Maria Claúdia, que precisou voltar para Maceió mais cedo, Nataska assumiu a produção in loco da sessão com unhas e dentes. Já conhecia o povoado e com a ajuda de Alcir e Seu Rogério, conseguiu a divulgação na rádio local e a vela do Seu Neo para a exibição. Duas velas quadradas, as tradicionais borboletas do São Francisco, sendo uma a nossa vela branca de 4 metros e a outra tricolor azul, rosa e bege, onde duplicamos a projeção do filme como uma experimentação estética mais livre.

Encontramos um grupo de garotos que confeccionam miniaturas das embarcações do São Francisco com cortiça. Fazem as velas de sacos plásticos coloridos e colocam os barcos na água para disputar corrida, empurrados pelo vento. Ao conhecer os meninos, tivemos a idéia de contratá-los para personalizar o troféu Vento Nordeste e após alguma hesitação por nunca ter colocado preço no próprio trabalho, um dos garotos, Lucas, aceitou a proposta.

Ao som de clássicos da MPB e da música americana da Rádio Liberdade de Sergipe, limpamos a grande quantidade de folhas caídas da ingazeira na pequena praia que se formou na beira do rio. Sob a luz amarelada do final da tarde, estendemos as esteiras na areia para o público e novamente decoramos com fitas coloridas a curta extensão do terreno. Por vezes paramos para observar a passagem das ilhas flutuantes – pedaços de vegetação que bóiam nas águas do rio – com admiração e espanto pelas histórias contadas de ninhos de cobras que saem delas.

O espaço para a sessão ficou mais aconchegante e íntimo, e à noite, pareceu mais uma reunião de família com 150 pessoas. Como na exibição anterior, a embarcação foi colocada na beira da água, desta vez um pouco mais próxima da areia para garantir a estabilidade do barco com duas velas tão grandes. Utilizamos duas canoas de corrida para abrir os dois panos, pois estas permitem o encaixe de mastros maiores.

As duas projeções na noite completamente preta na beira do rio surpreenderam até mesmo os nossos olhos já acostumados com a estética do Acenda uma Vela. Até ali, era a sessão mais bonita da temporada. Crianças lotaram as esteiras e aplaudiram com força e naturalmente todos os filmes antes que Hermano dissesse uma palavra. O povo devorou o cinema de todo jeito. Namorados abraçados nas árvores, gente sentada na areia, olhos adolescentes mais atentos como se quisessem sugar toda e qualquer informação dos filmes. Teve até mesmo gente no camarote privilegiado da ingazeira, uma rede de dormir improvisada.

O cinema parecia de fato ter asas como uma borboleta colorida gigante, que encantou as crianças com a novidade da luz que saía de uma caixa formando imagens em movimento igualmente grandes. Muitas delas brincaram de criar sombras na segunda projeção, interagindo com partes dos filmes exibidos. Tocaram nos personagens e acharam, claro, tudo muito engraçado. Com água até a cintura, Nataska tirou fotografias de dentro do rio para garantir o registro mais amplo do espetáculo.

Enquanto MEOW e ATÉ O SOL RAIÁ fizeram explodir gargalhadas na garotada, SWEET KAROLYNNE e DESALMADA E ATREVIDA encantaram os adultos, que neste último cantaram os clássicos da música brega junto com a trilha do filme. Próximo ao final da sessão, Hermano decidiu exibir O JUMENTO E O SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR, em homenagem ao Padre Carlos de Piaçabuçu, seu amigo de longa data do Recife que veio prestigiar o cinema.

Perto das dez da noite, as crianças, contrariadas, abandonaram o cinema para ir dormir enquanto os pais lembravam a escola no dia seguinte e permaneciam ligados nos filmes. A sessão acabou perto das onze e recolhemos nosso circo mambembe em silêncio. Um silêncio muito menos do cansaço do que da certeza de uma noite inesquecível para o público e nós. Silêncio pela despedida das pessoas do povoado e do São Francisco, que àquela altura musicava nossos pensamentos de volta para casa com o balanço tranqüilo de suas águas.

[filmes exibidos na sessão 3]
/Acenda uma Velinha:
LEONEL PÉ-DE-VENTO [ Jair Giacomini
15 min / 2006 / RS]
PEIXE FRITO [Ricardo de Podestá
19 min / 2005 / GO]
ATÉ O SOL RAIÁ [Fernando Jorge e Leanndro Amorim
11 min / 2007 / PE]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
/Programação Geral:
A ILHA [Alê Camargo
9 min / 2009 / SP]
DESALMADA E ATREVIDA [Pedro da Rocha
25 min / 2008 / AL]
VIDA MARIA [Márcio Ramos
9 min / 2006 / CE]
O JUMENTO SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR [LEO D e William Paiva
11 min / 2007 / PE]
VERMELHO RUBRO DO CÉU DA BOCA [Sofia Federico
18 min / 2005 / BA]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
O PLANO DO CACHORRO [Arthur Lins e Ely Marques
10 min / 2009 / PB]

terça-feira, 13 de abril de 2010

Filmes de véspera, sarau e Kelly Key

::: RELATO SESSÃO 2 | PIAÇABUÇU
Litoral Sul/AL
. 27/02, 19h 30 – centro - sábado
Público: 170 pessoas

O CINEMA É COMO UM TREM QUE AVANÇA A QUALQUER CUSTO. Após Japaratinga, a próxima sessão agendada era a de Piranhas, à beira do Rio São Francisco. Na quarta edição já havíamos tentado realizar o Acenda uma Vela na histórica canoa de tolda da cidade, porém as chuvas do período nos impediram com alguma antecedência. Desta vez, nem mesmo o céu limpo e as nuvens branquíssimas anunciadas durante a semana foram suficientes para confirmar a segunda empreitada. Nosso apoio na cidade furou às vésperas da sessão.

Eu e Hermano estávamos na Pré-conferência Setorial do Audiovisual, em Brasília, quando soubemos da notícia. Ele já tinha passagem comprada para Maceió e um final de semana sem Acenda uma Vela complicaria muito nosso calendário e finanças. O risco das últimas sessões coincidirem com o período mais forte de chuvas dos meses de março e abril era grande.

Apesar da tristeza pelo segundo cancelamento consecutivo de Piranhas, o cinema na vela precisava acontecer. Após reunião da produção com Maria Claúdia, Nataska e Hermano, a decisão por duas sessões em Piaçabuçu pareceu a mais viável àquela altura do campeonato: terreno familiar para a vela, apoio logístico na cidade e ainda às margens do São Francisco, como temos feito todos os anos.

A última vez que Piaçabuçu recebeu o projeto foi na 2ª edição, no verão de 2006. Era importante também voltar com novos filmes para a comunidade e a Ong Olha o Chico nos apoiou como anteriormente. Viabilizaram a divulgação e incluíram a sessão na programação do Sarau Cultural que realizam uma vez por mês na beira do rio.

Chegamos à cidade no final da manhã de sábado. Fomos direto a Olha o Chico acertar a divulgação e o local da exibição, onde nos instalamos logo após o almoço. Ficamos hospedados na casa de Alcir e Seu Rogério, pai de Nataska, que abriram as portas do seu simples paraíso de forma tão carinhosa que nos deixou mal acostumados até o final da temporada.

A cidade estava calma e os barcos já recolhidos formavam uma bagunça organizada no cais. As cores do entardecer na foz do São Francisco são de comover os olhos de qualquer um. O céu manchado de azul, lilás, abóbora e amarelo, se misturava às diversas cores das embarcações belamente amontoadas na beira do rio como se fossem brinquedos. O cheiro forte de peixe aos poucos ia dando lugar ao cheiro da cerveja dos pescadores, das árvores no final de tarde, do sabão das mulheres que lavavam roupa à margem do rio, espumando as calçadas.

Os gritos das crianças eram música na calmaria e hipnotizavam na brincadeira os passantes. Os meninos diziam dar saltos triplos que nada tinham a ver com acrobacia aquática, e sim, mergulhos de mãos dadas em trio, correndo do meio da rua e pulando direto da escadaria da margem para o rio.

Mais tarde, destoando da calma paisagem, um carrinho de cd’s piratas embalava um grupo de bêbados em um funk da pior qualidade. Começamos a montar os equipamentos ao lado da lanchonete Foz do São Francisco, onde estendemos esteiras na faixa de calçada mais alta na margem do rio. Não demorou que o teste de som com um cd de Djavan invadisse o espaço sonoro para alívio dos nossos ouvidos e reclamações de um bêbado eclético, que pedia aos gritos para tocar Luiz Gonzaga e Kelly Key.

Começamos quase às 20h, com o início do Sarau Cultural. Abrimos com a projeção de LELÊ e 10 CENTAVOS e em seguida, programamos animações que costumam agradar adultos e crianças, pois sabíamos que era uma sessão atípica e mais curta, onde teríamos que segurar todo tipo de público. Para nossa surpresa, o curta PEIXE FRITO arrancou risadas de vários pescadores presentes, que chegaram a perguntar onde comprar o filme para mostrar aos colegas.

Sarau Cultural, do nosso parceiro Olha o Chicoe o cinema na vela
[foto \ Nataska Conrado]

Foi uma noite bastante diferente e em clima de festa, com o sorteio de kits de leitura da Ideário para as crianças como se fosse um bingo de igreja entre aplausos constantes. Entre um sorteio e outro, um verso aqui e uma música acolá, emplacávamos um curta-metragem. A mistura se revelou interessante pela oportunidade de participar de uma iniciativa organizada pela própria comunidade. Misturar o cinema com a cultura popular e a diversão cotidiana local, participar e enriquecer a construção coletiva.

O cinema flutua no Rio São Francisco, entre luzes e sombras
[foto \ Nataska Conrado]

Um dos primeiros sorteados da noite
[foto \ Nataska Conrado]

Um menino gordinho de nome Alexandre, perguntava a cada quinze minutos se aquele era o último filme da noite, pois ele “tinha que se acordar cedinho” e queria que a sessão terminasse logo para que não fosse o único a ir para a cama sem ter visto a última projeção.

Alexandre com a velinha número 1 da noite
[foto \ Nataska Conrado]

E entre repentes e músicas de rodas de violão adolescentes, vieram os dois últimos filmes, SWEET KAROLYNNE e AVE MARIA OU MÃE DOS SERTANEJOS, para satisfação da curiosidade do gordinho. Risadas no primeiro, silêncio no segundo, que apagou nossa vela quadrada, típica da região, com muita poesia e sensibilidade.


Sweet Karolynne,
de Ana Bárbara Ramos
[foto \ Nataska Conrado]

Recolhemos as esteiras destruídas pela algazarra das crianças nos intervalos e voltamos no ônibus um tanto cansados, mas sem perder a alegria. A imitação das falas da personagem Karolynne, que gosta “mesmo é da graxinha” e da narração digna de prêmio de VINIL VERDE, nos embalaram até a hora de dormir.

 
[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]


[filmes exibidos na sessão 2]

/Programação Geral:
LELÊ [Carlos Dowling e Shiko
4 min / 2008 / PB]
10 CENTAVOS [César Fernando Oliveira
19 min / 2007 / BA]
PEIXE FRITO [Ricardo de Podestá
19 min / 2005 / GO]
VINIL VERDE [Kléber Mendonça
16 min / 2004 / PE]
HISTORIETAS ASSOMBRADAS (PARA CRIANÇAS MALCRIADAS) [Vitor-Hugo Borges
15 min / 2005 / SP]
ATÉ O SOL RAIÁ [Fernando Jorge e Leanndro Amorim
11 min / 2007 / PE]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
AVE MARIA OU MÃE DOS SERTANEJOS [Camilo Cavalcante
12 min / 2009/PE]