. ACENDA UMA VELA ANO 5 ||DEMOCRATIZE O CINEMA BRASILEIRO. FILMES SÃO FEITOS PARA SEREM VISTOS || PELOS DIREITOS DO PÚBLICO. NÓS SOMOS O PÚBLICO. realização: IDEÁRIO . patrocínio: MINISTÉRIO DA CULTURA (MinC) - FNC/Secretaria do Audiovisual E PRÊMIO ARETÉ - PROGRAMA CULTURA VIVA/Secretaria de Cidadania Cultural. parceria: PROGRAMADORA BRASIL e ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CINEMA DE ANIMAÇÃO . apoio: CINE + CULTURA, ALGÁS e RÁDIO EDUCATIVA / INSTITUTO ZUMBI DOS PALMARES

terça-feira, 27 de abril de 2010

Premiere do vestido, kombis e banguelas

RELATO SESSÃO 6 | MASSAGUEIRA
Litoral Sul/AL
. 13/03, 19h 30 – centro – sábado
Público: 160 pessoas

O CINEMA CONTA HISTÓRIAS DIFERENTES COM TEMAS IGUAIS. Saímos de Jequiá às dez da manhã e novamente demos alguns trancos no automóvel para que voltasse a funcionar. Aproveitando a situação cômico-trágica, convencemos a equipe, com exceção de Hermano, a simular a entrada na Kombi amarela do filme Pequena Miss Sunshine: enquanto todos empurravam o microônibus, fomos entrando um a um no carro já em movimento e quase deixamos Tadeu, nosso dedicado câmera que registrava a cena, do lado de fora. Mais uma vez saímos na famosa banguela, rumo à penúltima sessão da temporada.

Após o maior público da itinerância, Jequiá, partimos para aquela que seria uma sessão atípica nos cinco anos de Acenda uma Vela. Pela primeira vez haveria um lançamento de filme durante a programação, o curta-metragem de ficção Um vestido para Lia, dirigido por Hermano e Regina. Dois meses após o fim das filmagens na Massagueira, voltamos para exibir na vela da jangada a empreitada que grande parte da comunidade ajudou a construir.

Chegamos ao local na hora do almoço e novamente os queridíssimos Lula e Gustavo nos cederam o Ateliê Curiboca para apoio de produção. O dia estava extremamente quente, as folhas dos coqueiros paradas, o asfalto novo e brilhante fervilhando sob nossos pés. Dessa vez a sessão não seria na Praça da Igreja Divina Pastora, como é costume na Massagueira, mas sim em um terreno lateral de areia, na beira da lagoa, onde poderíamos colocar a embarcação dentro d’água.

O sol estava de rachar o côco e combinamos montar a sessão somente às quatro e meia, quando seria possível raciocinar com menos calor e carregar os equipamentos na areia. Paramos para o almoço no famoso Bar do Delegado, um baixinho invocado e de risada engraçada que nunca foi da polícia, mas que posa para fotos no próprio cardápio segurando peixes e espingardas.

O calor demorou a diminuir e logo abrimos a vela quadrada para garantir uma maior projeção durante o lançamento, além de esteiras e cadeiras plásticas para o público. Dessa vez a equipe estava em totalidade, com a presença dos setores mais administrativos do projeto, como Núbia e Regina, que veio do Rio para o lançamento do seu filme, e de Adso, nosso projecionista mais biólogo do cinema.

O dia escureceu e o público começou a chegar aos poucos para ver o vestido da Lia flutuar na beira da lagoa. A protagonista do filme e moradora da Massagueira, a adolescente Fabrícia Avelino, logo apareceu para sua primeira noite de entrevistas e aplausos, coisas que só imaginava possíveis durante os seus sonhos mais delirantes.

Hermano abre a sessão da Massagueira, a penúltima da temporada
[foto / Nataska Conrado]

O público lotou a beira da lagoa à espera da Lia
[foto / Nataska Conrado]

Vermelho Rubro do Céu da Boca, Sweet Karolynne
e Barbosa esquentaram a noite do vestido
[foto / Nataska Conrado]

Alguns amigos próximos compareceram pela proximidade do povoado em relação à Maceió e a Kombi psicodélica dos Saudáveis Subversivos veio registrar a sessão para o canal Futura. Abrimos a noite com a exibição de VERMELHO RUBRO DO CÉU DA BOCA e seguimos com SWEET KAROLYNNE e BARBOSA, para aumentar ainda mais a ansiedade de Fabrícia, da equipe do filme e do público que veio somente para ver a Lia. Karolynne foi, mais uma vez, recebida com muitos aplausos e gargalhadas, comprovando definitivamente que veio para ser o filme da 5ª temporada.

As crianças ocuparam as esteiras na frente da vela
e se deixaram acalmar pelo cinema
[foto / Nataska Conrado]

Se tem cinema, tem bicicleta
[foto / Nataska Conrado]

Quase nove da noite, o tão esperado UM VESTIDO PARA LIA acendeu a vela na beira da lagoa Mangüaba e emocionou a equipe e muitos moradores da Massagueira que participaram da produção. Ao fim da exibição, Hermano pediu que se aproximassem da vela todos que ajudaram a costurar o vestido da Lia e a equipe técnica, elenco, diretores e ajudantes posaram para uma fotografia que com certeza ficará marcada na nossa memória e do público presente.

A protagonista de Um vestido para Lia, Fabrícia Avelino, 
é recebida com aplausos pelos moradores
[foto / Nataska Conrado]

As cores do cinema se completam com o público
[foto / Nataska Conrado]

Os pais de Fabrícia chegaram atrasados e exibimos novamente o filme para que pudessem ver o bonito trabalho da sua cria. Em seguida, o público evaporou como na noite anterior. Nos mesmos dez minutos não havia um pé de gente no espaço anteriormente ocupado por cerca de 160 pessoas.

Fabrícia dá entrevista após a exibição do filme.
A estréia emocionou a talentosa atriz
[foto / Nataska Conrado]

O cinema é coletivo do início ao fim. A equipe do filme: satisfação
e felicidade pela conclusão de um trabalho suado e cheio de dedicação
[foto / Nataska Conrado]

Parece que a nossa memória do final de semana foi mesmo das meninas do cinema, seja com a barrigudinha Olive, de Pequena Miss Sunshine, a banguela Karolynne ou a aperriada Lia. E como estranho seria se fosse diferente, parte da equipe demorou a chegar em casa naquela noite: o automóvel pifou sem chance de banguelas, para desespero do cansaço de uns e aventura de outros. Mas até ele foi nosso companheiro, resistindo até que realizássemos a sessão para entregar os pontos. A saudade é que já foi começando a apertar quando nos despedimos pensando ser a última semana do cinema e de todos nós assim, juntos nele, por ele e pelo público.

[filmes exibidos na sessão 6]

/Programação Geral:
VERMELHO RUBRO DO CÉU DA BOCA [Sofia Federico
18 min / 2005 / BA]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
BARBOSA [Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado
13 min / 1988 / RS]

/Pré-estréia de filme
UM VESTIDO PARA LIA [Hermano Figueiredo e Regina Barbosa
14 min / 2010 / AL]

400 cinemas e nós

RELATO SESSÃO 5 | JEQUIÁ DA PRAIA
Litoral Sul/AL
. 12/03, 19h – centro – sexta-feira
Público: 420 pessoas

O CINEMA É UM BALÃO ACESO NO PLURAL. Saímos cedo de Maceió na sexta-feira. Viajamos para o litoral sul com a equipe completa no microônibus e dessa vez com Beto e Peixe como assistentes e a presença inédita de Amanda. Seguimos ouvindo as histórias mirabolantes de Hermano, o homem que viveu duzentos anos em cinqüenta, e relembrando a engenhosidade e sutilezas de filmes como Conduzindo Miss Daisy.

As energias e belezas do litoral norte e sul de Alagoas são bem diferentes. Enquanto o primeiro tem uma beleza interiorana bucólica mais alcançável no horizonte dos olhos e um tempo que segue mais devagar, o sul é lugar vasto e contrastante, de elementos por vezes mais urbanos e paisagens paradisíacas extensas para o nosso campo de visão. Coqueiros verde-libélula, estrada curvilínea que ao se enladeirar revela aos poucos um mar cor de piscina em proporção oceânica.

No caminho de Jequiá da Praia paramos na Massagueira para acertar a divulgação na bicicleta de som da sessão que aconteceria lá no dia seguinte. Idas e vindas à procura do dono da bicicleta em ruas estreitas para o nosso carro e a carrocinha de equipamentos, que acabaram por atolar em um banco de areia na beira da lagoa. Após inúmeras tentativas inúteis de sair do lugar com a força masculina, as mulheres desceram do carro e logo arranjaram a solução mais óbvia para a questão - retirar a carrocinha, fazer a manobra, acoplá-la novamente e seguir viagem. Todo o processo não durou mais que cinco minutos, dando motivo para piadas sexistas durante o resto do caminho.

Encontramos o homem do som e seguimos para Jequiá quando a manhã já se partia pela metade. Chegamos perto da hora do almoço e fomos direto para a pequena Praça José Cassimiro, banhada pelo rio Jequiá, onde encontramos Monaliza Barros, nosso contato de apoio da Secretaria de Educação e Cultura local. Apesar de estreito, o rio Jequiá tem um charme interessante e águas com cheiro de sabão de côco das roupas lavadas nas cabanas improvisadas dentro do rio.

A praça contrastava com o resto da paisagem, com diversos equipamentos instalados em um espaço muito pequeno, deixando-nos a sensação de que ali existem dois lugares diferentes. De frente para o rio, árvores frondosas e antigas se contorcem em direção à margem preenchida com cabanas de palha e madeira para lavagem de roupa, tendo ao fundo uma mata densa e escura. De costas, uma praça de bancos cor de abóbora e azuis, rodeada de brinquedos infantis, quadra de esportes, um jardim espremido ainda por nascer, bancas de lanches e cervejas.

Acertamos com Dinho a canoa para colocar nossa vela menor, a única que cabia na embarcação, e com Seu Zé, o eletricista local, a energia que puxaríamos do poste. Deixamos nossas mochilas na pousada perto da praça, onde éramos os únicos hóspedes e fomos recebidos de forma extremamente carinhosa pelo dono. Uma varanda deliciosa em forma de éle cercada por mais de dez redes de dormir atraía todo o vento fresco da cidade extremamente quente.

Rodamos as redondezas à procura de um estabelecimento que aceitasse o cheque do projeto no pagamento do almoço. Como cheque parece não ser mais dinheiro, demoramos a encontrar um boteco numa estradinha, que também nos recebeu de braços abertos e até permitiu que substituíssemos o arrocha habitual por um cd de Luiz Melodia.

Montamos os equipamentos às quatro da tarde, quando surpreendentemente o sol ainda estava forte para o horário. A embarcação foi colocada a uma distância de um metro da margem com a ajuda da paciência e simpatia do barqueiro Dinho, que não se incomodou em mergulhar diversas vezes de roupa e tudo para fixar com pedras o barco no fundo do rio. Mesmo após o grande esforço para acertar a projeção com o balanço natural das águas, na hora da sessão os filmes dançaram uma bela valsa lenta e imprevisível ao som das mudanças repentinas do vento.

A tarde caiu no silêncio do rio. Mesmo sofrendo investidas constantes de mosquitos famintos, a contemplação das diferentes tonalidades do céu ao som da música árabe utilizada como teste dos equipamentos, capturou os olhos e pensamentos de muitos que por ali aguardavam o cinema. O descanso de tela do Windows Media Player projetava na vela formas elétricas randômicas, que surrealmente se somavam à simplicidade da paisagem como um vaga-lume.

[foto \ Nataska Conrado]

A vela foi colocada em um nível mais baixo que a platéia, o que fez com que todos se aglomerassem em um semicírculo na margem do rio – crianças sentadas em skates na mesma altura do projetor ou deitadas nas esteiras na altura seguinte, seguidas por adolescentes, idosos, mulheres e crianças de colo em algumas cadeiras de plástico. Os homens se plantaram de pé e braços cruzados logo atrás das cadeiras, numa organização natural onde só interferimos para pedir que as crianças parassem de pular e rasgar as esteiras. O cinema parecia um balão aceso acompanhado pelo público com os olhos baixos voltados para o centro como em um circo.

[foto \ Nataska Conrado]

Os filmes literalmente flutuaram no rio e o reflexo da projeção na água duplicou o espetáculo cinematográfico. Uma das crianças nos alertou do cuidado que devíamos ter com a sereia Iara ao perturbar as águas à noite enquanto um grupo de adultos nos questionava sobre a programação. Vai passar Crepúsculo? Qual é o filme? O costume do longa-metragem americano até mesmo nas menores cidades sempre nos provoca a dar uma resposta com gosto e simpatia: a noite hoje é do cinema brasileiro e os filmes são curtos e muitos.

[foto \ Nataska Conrado]

Os alunos do ProJovem local foram levados para a sessão pela professora e atentos, anotavam tudo sobre os filmes para a escrita de uma resenha crítica para nota. Abrimos com o Acenda uma Velinha e CALANGO LENGO teve sua primeira exibição na itinerância, desbancando até mesmo o carismático MEOW no favoritismo infantil. As crianças estavam eufóricas com o cinema e batiam muitas palmas, riam e comparavam os personagens das animações com seus familiares e amigos.

[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]

Terminamos com a exibição do clássico ILHA DAS FLORES, inédito para os olhos e ouvidos de Jequiá. O filme silenciou a platéia e fez com que um senhor de meia idade nos dissesse ao final que aquele havia sido o melhor de todos os curtas da noite, assim como VIDA MARIA. Para não perder o costume, perguntou como comprá-lo ou onde achar para assistir novamente.

[foto \ Nataska Conrado]

Desmontamos a sessão e em menos de 10 minutos, a praça, que acolheu mais de quatrocentas pessoas que devoraram o cinema com grande festa, ficou vazia como se fosse madrugada. Alguns poucos gatos pingados ainda resistiram para perguntar se haveria uma próxima sessão no dia seguinte, mas foi clara a decepção quando entendiam que seguiríamos viagem.

[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]

Após o jantar, voltamos para a pousada empurrando o microônibus que resolveu não funcionar na hora de maior cansaço. A equipe toda desceu para empurrar o automóvel entre gargalhadas. Foi gostosa a sensação de união que tivemos, naquela que foi a sessão de maior entrosamento profissional e amizade da temporada. Apesar do cansaço, ninguém dormiu e todos entraram pela madrugada conversando nas redes da varanda, relembrando passagens engraçadas da noite, da vida, do cinema, rindo de nós mesmos. Filmes são feitos no plural, as sessões de cinema também. Fomos felizes naquele dia.

[filmes exibidos na sessão 5]

/Acenda uma Velinha:
HISTORIETAS ASSOMBRADAS (PARA CRIANÇAS MALCRIADAS) [Vitor-Hugo Borges
15 min / 2005 / SP]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
CALANGO LENGO – Morte e vida sem ver água [Fernando Miller
10 min/2009/SP]
ATÉ O SOL RAIÁ [Fernando Jorge e Leanndro Amorim
11 min / 2007 / PE]
/Programação Geral:
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
DESALMADA E ATREVIDA [Pedro da Rocha
25 min / 2008 / AL]
BARBOSA [Ana Luiza Azevedo e Jorge Furtado
13 min / 1988 / RS]
VIDA MARIA [Márcio Ramos
9 min / 2006 / CE]
A VELHA A FIAR [Humberto Mauro
6 min / 1960 / RJ]
O JUMENTO SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR [LEO D e William Paiva
11 min / 2007 / PE]
ILHA DAS FLORES [Jorge Furtado
13 min / 1989 / RS]

Tela de luz puríssima

RELATO SESSÃO 4 | MARAGOGI
Litoral Norte/AL
. 05/03, 20h – Barra Grande – sexta-feira
Público: 130 pessoas

A LUA NA JANELA ERA CINEMA. Quase todos os anos o município de Maragogi recebe o projeto Acenda uma Vela nas praias do centro da cidade, Peroba e São Bento. Este ano não havíamos planejado sessões para o local, pois a idéia era visitar um maior número de novas localidades, como o município vizinho Japaratinga na abertura da temporada. Mas parece que a vela se apegou à cidade e como roupa muito usada, seguiria mesmo sem o dono para lá: de última hora fomos convidados para uma sessão extra na cidade, aproveitando o público do 1º Encontro Regional de Pontos de Cultura de Alagoas e Sergipe promovido pelo Ministério da Cultura, nosso patrocinador, e pela Secretaria de Cultura do Estado.

Maragogi fica bem no meio do caminho entre Alagoas e Pernambuco e acabamos viajando na sexta-feira mesmo para a sessão que aconteceria à noite. Saímos da Ideário no início da tarde e como Hermano só iria chegar depois e os assistentes, Beto e Peixe, não iriam sessão, partimos numa grande caravana da Luluzinha, com Tadeu e Val, o assistente por um dia, espremidos pela conversa feminina frenética durante a viagem.
O apoio para hospedagem no hotel do encontro furou e acabamos acertando nossa estadia de uma noite no bom e velho chalé do Bob, onde sempre ficamos durante as sessões de São Bento, praia vizinha. Fomos direto para lá assim que chegamos, às quatro da tarde, assentamos as mochilas e seguimos para Barra Grande com os equipamentos. Começamos a descarregar e montar o ambiente por volta das cinco horas com a praia escurecendo deserta, o mar de uma esmeralda escura.

Hermano chegou no início da noite, após uma maratona digna de James Bond. Do Rio de Janeiro à Maragogi, passando por Recife, ele utilizou quase todos os meios de transporte disponíveis para os seres humanos – avião, ônibus, trem, van, microônibus e as próprias pernas, ficando devendo apenas aos transportes aquáticos para sorte dele e nossa.

A sessão foi montada na areia atrás do hotel Praia Dourada. Um grupo de dança Afro pediu para utilizar o som do cinema durante a apresentação que fariam no meio da sessão. Ensaiamos com eles para marcação das músicas enquanto uma parte da equipe prendia as fitas coloridas nos poucos coqueiros e a noite deixava acender as primeiras estrelas.

Assim que alguns pares de olhos começaram a se aproximar da vela após o jantar, projetamos o primeiro filme, ACENDA UMA VELA 4 – DIÁRIO DA ITINERÂNCIA, um livre registro sobre a temporada anterior do projeto. Foi a primeira vez que o exibimos em público, já que até então sua circulação havia se restringido à internet. Após o filme-aquecimento-de-sessão, iniciamos com CAMPO BRANCO e ÁRVORE DA MISÉRIA como referência à diversidade da produção nordestina.

Hermano abre a sessão e a noite faz tela do cinema na vela
[foto \ Nataska Conrado]

Nosso velho conhecido de outras temporadas, o curta YANSAN, foi inédito para boa parte do público da sessão e intrigou os pontos de cultura afro com as possibilidades da animação. Para nossa surpresa, o vídeo DIZER LIVRE, realizado pelos jovens do Ponto de Cultura Ideário, segurou a atenção da maioria com as reflexões sensíveis do personagem central, o adolescente Alisson, mesmo com seus 20 minutos. Mas foi SWEET KAROLYNNE que arrebatou sensações: gargalhadas, silêncios e comoção ao ouvir a versão de Love me Tender, de Elvis Presley, em inglês infantil inventado pela garota. Os pedidos para comprar o filme foram tantos quanto os aplausos ao final da exibição e a frustração ao saber que não comercializamos os curtas.

Os garçons do hotel faziam questão de servir os hóspedes na areia a cada segundo, pois só assim poderiam dar uma olhadinha na exibição e se indagarem do porquê de nunca terem pensado em organizar algo semelhante com os pescadores da região. Uma hóspede nos contou ao final da noite que viu a vela acesa da janela do seu apartamento e na mesma hora avisou ao marido, que tomava banho e não a levou a sério. “Ele saiu molhado de toalha para ver da varanda de tanto que insisti. Ficamos sem acreditar que o cinema estava numa embarcação”.

Perto do final da sessão, um momento inesperado arrancou aplausos espontâneos do público. Às dez da noite, uma lua alaranjada começou a surgir na linha do horizonte como uma bola de fogo. Parecia que estávamos presenciando um eclipse raríssimo, tamanha a surpresa e magia do momento. A praia deserta e escura, somente o cinema, a lua e as estrelas sinalizavam, com nostalgia, o público deitado nas esteiras e cadeiras de sol. Inspirados pela suspensão do instante, o grupo de dança afro começou sua apresentação na frente da vela, espalhando cantos e batuques em direção às águas do mar em saudação à Iemanjá.

A vela, o cinema, a lua.
[foto \ Nataska Conrado]

Dança afro dos pontos de cultura.
[foto \ Nataska Conrado]

Terminamos com a exibição de O DJ DO AGRESTE e NO TEMPO DE MILTINHO, para os admiradores e freqüentadores arapiraquenses do Bar do Paulo e os fãs de longa data da genialidade de Miltinho. A conversa com o público relativamente conhecido nos segurou pelo início da madrugada e voltamos no microônibus bastante animados com o retorno positivo da sessão. Muitos Pontos de Cultura conheciam nosso trabalho, porém nunca haviam assistido uma exibição do Acenda uma Vela. Não havia crianças na sessão, o que nos deu uma maior liberdade para exibir filmes fantásticos que não podemos tirar da cartola com freqüência pela restrição da classificação indicativa.

Era madrugada quando partimos para São Bento e apesar do caminho relativamente curto, a estrada vazia pareceu muito maior pela escuridão da noite e por nossas longas conversas sobre os filmes com imitações de cenas e as freqüentes gargalhadas. Fomos dormir embalados por conversas na área externa do chalé e ao som do dêjota laptop com Cat Stevens, James Taylor e Caetano sob um céu de estrelas. Será difícil esquecer a lua daquela noite, a noite daquele cinema.

[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]

O público deitado na areia e nas cadeiras de sol
[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]

Fim de sessão com a lua já alta no céu
[foto \ Nataska Conrado]


[filmes exibidos na sessão 4]

/Programação Geral:
ACENDA UMA VELA 4 – DIÁRIO DA ITINERÂNCIA [Ideário Comunicação e Cultura
20 min / 2009 / AL]
CAMPO BRANCO [Telmo Carvalho
15 min / 1997 / CE]
A ÁRVORE DA MISÉRIA [Marcus Vilar
12 min / 1997 / PB]
YANSAN [Carlos Eduardo Nogueira
18 min / 2006 / RJ]
VINIL VERDE [Kléber Mendonça
16 min / 2004 / PE]
O JUMENTO SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR [LEO D e William Paiva
11 min / 2007 / PE]
DIZER LIVRE [Direção coletiva Ponto de Cultura Ideário
20 min /2008 / AL]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
O DJ DO AGRESTE [Regina Barbosa
18 min / 2007 / AL]
NO TEMPO DE MILTINHO [André Weller
17 min / 2008 / RJ]

Noite preta, borboletas e sombras

RELATO SESSÃO 3 | PIAÇABUÇU
Litoral Sul/AL
. 28/02, 19h – povoado Sudene - domingo
Público: 150 pessoas

QUANDO UMA BORBOLETA VOA NO CINEMA, AS ASAS SÃO NOSSAS. Cogitamos algumas vezes realizar a 2ª sessão de Piaçabuçu no Pontal do Peba, porém após muitas conversas e distribuições dos pesos nos pratos da balança, optamos pelo povoado Sudene, um pouco mais afastado do centro da cidade. A comunidade não é das maiores do lugar, mas a inexistência de ações culturais é gritante.

Na ausência de Maria Claúdia, que precisou voltar para Maceió mais cedo, Nataska assumiu a produção in loco da sessão com unhas e dentes. Já conhecia o povoado e com a ajuda de Alcir e Seu Rogério, conseguiu a divulgação na rádio local e a vela do Seu Neo para a exibição. Duas velas quadradas, as tradicionais borboletas do São Francisco, sendo uma a nossa vela branca de 4 metros e a outra tricolor azul, rosa e bege, onde duplicamos a projeção do filme como uma experimentação estética mais livre.

Encontramos um grupo de garotos que confeccionam miniaturas das embarcações do São Francisco com cortiça. Fazem as velas de sacos plásticos coloridos e colocam os barcos na água para disputar corrida, empurrados pelo vento. Ao conhecer os meninos, tivemos a idéia de contratá-los para personalizar o troféu Vento Nordeste e após alguma hesitação por nunca ter colocado preço no próprio trabalho, um dos garotos, Lucas, aceitou a proposta.

Ao som de clássicos da MPB e da música americana da Rádio Liberdade de Sergipe, limpamos a grande quantidade de folhas caídas da ingazeira na pequena praia que se formou na beira do rio. Sob a luz amarelada do final da tarde, estendemos as esteiras na areia para o público e novamente decoramos com fitas coloridas a curta extensão do terreno. Por vezes paramos para observar a passagem das ilhas flutuantes – pedaços de vegetação que bóiam nas águas do rio – com admiração e espanto pelas histórias contadas de ninhos de cobras que saem delas.

O espaço para a sessão ficou mais aconchegante e íntimo, e à noite, pareceu mais uma reunião de família com 150 pessoas. Como na exibição anterior, a embarcação foi colocada na beira da água, desta vez um pouco mais próxima da areia para garantir a estabilidade do barco com duas velas tão grandes. Utilizamos duas canoas de corrida para abrir os dois panos, pois estas permitem o encaixe de mastros maiores.

As duas projeções na noite completamente preta na beira do rio surpreenderam até mesmo os nossos olhos já acostumados com a estética do Acenda uma Vela. Até ali, era a sessão mais bonita da temporada. Crianças lotaram as esteiras e aplaudiram com força e naturalmente todos os filmes antes que Hermano dissesse uma palavra. O povo devorou o cinema de todo jeito. Namorados abraçados nas árvores, gente sentada na areia, olhos adolescentes mais atentos como se quisessem sugar toda e qualquer informação dos filmes. Teve até mesmo gente no camarote privilegiado da ingazeira, uma rede de dormir improvisada.

O cinema parecia de fato ter asas como uma borboleta colorida gigante, que encantou as crianças com a novidade da luz que saía de uma caixa formando imagens em movimento igualmente grandes. Muitas delas brincaram de criar sombras na segunda projeção, interagindo com partes dos filmes exibidos. Tocaram nos personagens e acharam, claro, tudo muito engraçado. Com água até a cintura, Nataska tirou fotografias de dentro do rio para garantir o registro mais amplo do espetáculo.

Enquanto MEOW e ATÉ O SOL RAIÁ fizeram explodir gargalhadas na garotada, SWEET KAROLYNNE e DESALMADA E ATREVIDA encantaram os adultos, que neste último cantaram os clássicos da música brega junto com a trilha do filme. Próximo ao final da sessão, Hermano decidiu exibir O JUMENTO E O SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR, em homenagem ao Padre Carlos de Piaçabuçu, seu amigo de longa data do Recife que veio prestigiar o cinema.

Perto das dez da noite, as crianças, contrariadas, abandonaram o cinema para ir dormir enquanto os pais lembravam a escola no dia seguinte e permaneciam ligados nos filmes. A sessão acabou perto das onze e recolhemos nosso circo mambembe em silêncio. Um silêncio muito menos do cansaço do que da certeza de uma noite inesquecível para o público e nós. Silêncio pela despedida das pessoas do povoado e do São Francisco, que àquela altura musicava nossos pensamentos de volta para casa com o balanço tranqüilo de suas águas.

[filmes exibidos na sessão 3]
/Acenda uma Velinha:
LEONEL PÉ-DE-VENTO [ Jair Giacomini
15 min / 2006 / RS]
PEIXE FRITO [Ricardo de Podestá
19 min / 2005 / GO]
ATÉ O SOL RAIÁ [Fernando Jorge e Leanndro Amorim
11 min / 2007 / PE]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
/Programação Geral:
A ILHA [Alê Camargo
9 min / 2009 / SP]
DESALMADA E ATREVIDA [Pedro da Rocha
25 min / 2008 / AL]
VIDA MARIA [Márcio Ramos
9 min / 2006 / CE]
O JUMENTO SANTO E A CIDADE QUE SE ACABOU ANTES DE COMEÇAR [LEO D e William Paiva
11 min / 2007 / PE]
VERMELHO RUBRO DO CÉU DA BOCA [Sofia Federico
18 min / 2005 / BA]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
O PLANO DO CACHORRO [Arthur Lins e Ely Marques
10 min / 2009 / PB]

terça-feira, 13 de abril de 2010

Filmes de véspera, sarau e Kelly Key

::: RELATO SESSÃO 2 | PIAÇABUÇU
Litoral Sul/AL
. 27/02, 19h 30 – centro - sábado
Público: 170 pessoas

O CINEMA É COMO UM TREM QUE AVANÇA A QUALQUER CUSTO. Após Japaratinga, a próxima sessão agendada era a de Piranhas, à beira do Rio São Francisco. Na quarta edição já havíamos tentado realizar o Acenda uma Vela na histórica canoa de tolda da cidade, porém as chuvas do período nos impediram com alguma antecedência. Desta vez, nem mesmo o céu limpo e as nuvens branquíssimas anunciadas durante a semana foram suficientes para confirmar a segunda empreitada. Nosso apoio na cidade furou às vésperas da sessão.

Eu e Hermano estávamos na Pré-conferência Setorial do Audiovisual, em Brasília, quando soubemos da notícia. Ele já tinha passagem comprada para Maceió e um final de semana sem Acenda uma Vela complicaria muito nosso calendário e finanças. O risco das últimas sessões coincidirem com o período mais forte de chuvas dos meses de março e abril era grande.

Apesar da tristeza pelo segundo cancelamento consecutivo de Piranhas, o cinema na vela precisava acontecer. Após reunião da produção com Maria Claúdia, Nataska e Hermano, a decisão por duas sessões em Piaçabuçu pareceu a mais viável àquela altura do campeonato: terreno familiar para a vela, apoio logístico na cidade e ainda às margens do São Francisco, como temos feito todos os anos.

A última vez que Piaçabuçu recebeu o projeto foi na 2ª edição, no verão de 2006. Era importante também voltar com novos filmes para a comunidade e a Ong Olha o Chico nos apoiou como anteriormente. Viabilizaram a divulgação e incluíram a sessão na programação do Sarau Cultural que realizam uma vez por mês na beira do rio.

Chegamos à cidade no final da manhã de sábado. Fomos direto a Olha o Chico acertar a divulgação e o local da exibição, onde nos instalamos logo após o almoço. Ficamos hospedados na casa de Alcir e Seu Rogério, pai de Nataska, que abriram as portas do seu simples paraíso de forma tão carinhosa que nos deixou mal acostumados até o final da temporada.

A cidade estava calma e os barcos já recolhidos formavam uma bagunça organizada no cais. As cores do entardecer na foz do São Francisco são de comover os olhos de qualquer um. O céu manchado de azul, lilás, abóbora e amarelo, se misturava às diversas cores das embarcações belamente amontoadas na beira do rio como se fossem brinquedos. O cheiro forte de peixe aos poucos ia dando lugar ao cheiro da cerveja dos pescadores, das árvores no final de tarde, do sabão das mulheres que lavavam roupa à margem do rio, espumando as calçadas.

Os gritos das crianças eram música na calmaria e hipnotizavam na brincadeira os passantes. Os meninos diziam dar saltos triplos que nada tinham a ver com acrobacia aquática, e sim, mergulhos de mãos dadas em trio, correndo do meio da rua e pulando direto da escadaria da margem para o rio.

Mais tarde, destoando da calma paisagem, um carrinho de cd’s piratas embalava um grupo de bêbados em um funk da pior qualidade. Começamos a montar os equipamentos ao lado da lanchonete Foz do São Francisco, onde estendemos esteiras na faixa de calçada mais alta na margem do rio. Não demorou que o teste de som com um cd de Djavan invadisse o espaço sonoro para alívio dos nossos ouvidos e reclamações de um bêbado eclético, que pedia aos gritos para tocar Luiz Gonzaga e Kelly Key.

Começamos quase às 20h, com o início do Sarau Cultural. Abrimos com a projeção de LELÊ e 10 CENTAVOS e em seguida, programamos animações que costumam agradar adultos e crianças, pois sabíamos que era uma sessão atípica e mais curta, onde teríamos que segurar todo tipo de público. Para nossa surpresa, o curta PEIXE FRITO arrancou risadas de vários pescadores presentes, que chegaram a perguntar onde comprar o filme para mostrar aos colegas.

Sarau Cultural, do nosso parceiro Olha o Chicoe o cinema na vela
[foto \ Nataska Conrado]

Foi uma noite bastante diferente e em clima de festa, com o sorteio de kits de leitura da Ideário para as crianças como se fosse um bingo de igreja entre aplausos constantes. Entre um sorteio e outro, um verso aqui e uma música acolá, emplacávamos um curta-metragem. A mistura se revelou interessante pela oportunidade de participar de uma iniciativa organizada pela própria comunidade. Misturar o cinema com a cultura popular e a diversão cotidiana local, participar e enriquecer a construção coletiva.

O cinema flutua no Rio São Francisco, entre luzes e sombras
[foto \ Nataska Conrado]

Um dos primeiros sorteados da noite
[foto \ Nataska Conrado]

Um menino gordinho de nome Alexandre, perguntava a cada quinze minutos se aquele era o último filme da noite, pois ele “tinha que se acordar cedinho” e queria que a sessão terminasse logo para que não fosse o único a ir para a cama sem ter visto a última projeção.

Alexandre com a velinha número 1 da noite
[foto \ Nataska Conrado]

E entre repentes e músicas de rodas de violão adolescentes, vieram os dois últimos filmes, SWEET KAROLYNNE e AVE MARIA OU MÃE DOS SERTANEJOS, para satisfação da curiosidade do gordinho. Risadas no primeiro, silêncio no segundo, que apagou nossa vela quadrada, típica da região, com muita poesia e sensibilidade.


Sweet Karolynne,
de Ana Bárbara Ramos
[foto \ Nataska Conrado]

Recolhemos as esteiras destruídas pela algazarra das crianças nos intervalos e voltamos no ônibus um tanto cansados, mas sem perder a alegria. A imitação das falas da personagem Karolynne, que gosta “mesmo é da graxinha” e da narração digna de prêmio de VINIL VERDE, nos embalaram até a hora de dormir.

 
[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]


[foto \ Nataska Conrado]

[foto \ Nataska Conrado]


[filmes exibidos na sessão 2]

/Programação Geral:
LELÊ [Carlos Dowling e Shiko
4 min / 2008 / PB]
10 CENTAVOS [César Fernando Oliveira
19 min / 2007 / BA]
PEIXE FRITO [Ricardo de Podestá
19 min / 2005 / GO]
VINIL VERDE [Kléber Mendonça
16 min / 2004 / PE]
HISTORIETAS ASSOMBRADAS (PARA CRIANÇAS MALCRIADAS) [Vitor-Hugo Borges
15 min / 2005 / SP]
ATÉ O SOL RAIÁ [Fernando Jorge e Leanndro Amorim
11 min / 2007 / PE]
MEOW [Marcos Magalhães
8 min / 1981 / RJ]
SWEET KAROLYNNE [Ana Bárbara Ramos
15 / 2009 / PB]
AVE MARIA OU MÃE DOS SERTANEJOS [Camilo Cavalcante
12 min / 2009/PE]

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Acenda uma Vela premia 4 curtas brasileiros com o Vento Nordeste

Quarta-feira, 07 de abril/2010

Japaratinga, Piaçabuçu, Maragogi, Jequiá da Praia, Marechal Deodoro e Maceió. Após passar por seis cidades alagoanas com o cinema flutuando no mar, no rio São Francisco e Jequiá e na maior lagoa do Estado, a Mangüaba, o Acenda uma Vela encerrou a 5ª temporada em clima de premiação e manifesto pelo incentivo à cultura em Alagoas. Pela primeira vez foi entregue o troféu Vento Nordeste em três categorias eleitas pelo voto do público, além de um prêmio especial cineclubista.

A premiação foi realizada na sessão de encerramento em Maceió no final de março, onde SWEET KAROLYNNE, de Ana Bárbara Ramos, da Paraíba, encantou os mais diversos tipos de público do início ao fim e recebeu o Vento Nordeste de filme da temporada pelo voto popular. O curta intriga o espectador pela relação da pequena Karolynne com a morte, através do galináceo Jarbas, seu melhor amigo, e da memória de Elvis exposta nas paredes de sua casa e no trabalho do pai, cover do cantor em seu próprio bar na Paraíba. Filme onde a montagem se revela essencial, aliada a alguns planos de grande força simbólica na narrativa, Karolynne comprova que o cinema pode ser simples e imperfeito quando se tem uma boa concepção.


Troféu VENTO NORDESTE destacado
pela projeção das vinhetas do Acenda uma Vela
durante a última sessão da temporada
[foto: Nataska Conrado]


Exibição de SWEET KAROLYNNE na beira do Velho Chico,
no povoado Sudene de Piaçabuçu/AL. Sessão com mais de 150 crianças,
com projeções nas velas duplas do São Francisco, as borboletas
[
foto: Nataska Conrado]

Em Maceió, foi realizada uma mostra competitiva específica para eleger o melhor filme da sessão, também pelo voto do público. Foram distribuídas cédulas com 6 documentários recentes e inéditos no projeto e uma animação, que compuseram uma mostra de 1 hora e meia dentro da programação geral. Para a surpresa de todos, a animação paulistana CALANGO LENGO – MORTE E VIDA SEM VER ÁGUA, de Fernando Miller, recebeu o Vento Nordeste de filme da sessão Maceió. Finalizado em 35 mm, o curta é um Tom & Jerry ambientado no sertão brasileiro em época de seca, uma homenagem ao estilo clássico de cartoon de perseguição. Através de soluções engraçadas e do traço carismático dos personagens, arrancou risadas e simpatia de públicos de diversas idades.

Exibição simultânea de CALANGO LENGO em duas velas
na Praia de Ponta Verde, em Maceió. O público da capital premiou
a animação em uma mostra competitiva essencialmente documental
[foto: Nataska Conrado]

Outros dois prêmios de caráter cineclubista também foram entregues no encerramento. O primeiro foi o troféu resgate histórico do cinema de curta-metragem, destinado à premiação de filmes que não estão no circuito há bastante tempo e que retornam à exibição freqüente durante a temporada do Acenda uma Vela. Em todas as sessões foram exibidos alguns clássicos do cinema de curta-metragem brasileiro e o público premiou MEOW (1981), de Marcos Magalhães (Brasília) com o Vento Nordeste. No curta de Magalhães tudo é muito preciso e minimalista. O gato em cima do muro de uma grande cidade, disputado por dois donos: os apelos para o consumo de um exótico refrigerante satirizam a situação do consumidor, espectador e cidadão entre a persuasão e a imposição de padrões de consumo. Engraçado para as crianças e reflexivo para os adultos, o filme é um cult entre as animações brasileiras. Foi premiado nos festivais de Cannes e Havana em 1982 e se mostra contemporâneo e sem prazo de validade até hoje.

MEOW, de 1981, flutuando no São Francisco
no centro de Piaçabuçu. O filme foi o sucesso da temporada
entre os clássicos do cinema de curta-metragem brasileiro
[foto: Nataska Conrado]

O prêmio filme de melhor avaliação crítica cineclubista, foi escolhido pelo Cineclube Ideário e entregue a NO TEMPO DE MILTINHO, de André Weller, do Rio de Janeiro. O tempo a que se refere o filme não é só o passado quando Miltinho "abafava" nas hit parades, mas a relação do cantor com o tempo. O tempo na música, que ele ora atrasa, ora adianta como só quem é senhor do ritmo pode fazer e sua obsessão pelo tempo das mais diversas maneiras. O grande mérito do curta é mostrar a genialidade, bom humor e atemporalidade de Miltinho com muito bom gosto, sem resvalar para lamentos pelo quase nenhum espaço na mídia para o seu talento nos dias de hoje. É um importante resgate da trajetória de um artista genial. O uso do espaço gráfico e do material de arquivo, aliado a um som tecnicamente perfeito que um filme como esse exige, fazem da sua exibição um deleite para os olhos e ouvidos.


NO TEMPO DE MILTINHO levou o Vento Nordeste
na avaliação crítica cineclubista. Bom gosto, qualidade gráfica e sonora
e um personagem genial são os grandes trunfos do filme
[foto: Nataska Conrado]

Mesmo debaixo de chuva, o Acenda uma Vela lançou na última sessão da temporada o manifesto Alagoas: terra sem lei – pelo incentivo à cultura em Alagoas, único estado do Nordeste que não possui nenhuma lei ou mecanismo de incentivo à produção cultural em funcionamento. Atualmente o protesto já conta com mais de 400 assinaturas e continua seu caminho com a adesão crescente de membros da sociedade civil, importantes entidades e personalidades da cultura brasileira.
Para apoiar o manifesto com a inclusão da sua assinatura, clique aqui.